Entrar em um museu é atravessar um portal onde imediatamente adotamos um ar sério e endireitamos a postura. Examinamos as etiquetas de cada obra como se buscássemos uma chave para entender seu significado verdadeiro. Isolados do barulho da rua, falamos baixo.
Aos poucos, dezenas de desenhistas chegam ao Instituto Collaço Paulo, em Coqueiros, e se espalham pelas quatro salas da exposição Mais Humano – Arte no Brasil de 1850 – 1930. O espaço, que abriga uma coleção privada, ocupa uma casa onde antes havia um restaurante de comida peruana, na avenida principal do bairro.
Aqui, somos encarados por nobres vestindo roupas cheias de drapeados e rendas, e vemos gente do povo em cenas tão bucólicas que chegamos a lamentar não ter vivido naquela época de medicina precária e saneamento básico inexistente. Os nus trazem mulheres deitadas em arranjos de tecidos transparentes ou representando divindades. Para os homens, as poses são mais naturais. Uma galeria de retratos traz tipos mais comuns e, talvez por isso, com mais vida, capturados sem tanta rigidez.
Já os desenhistas, neste atribulado século 21, vestem roupas confortáveis e que não deem prejuízo se ficarem manchadas. Carregam a parafernália usual: cadernos, bancos dobráveis e estojos de materiais. Há quem leve até o cavalete.
Sabendo da restrição de não usar materiais molhados dentro da galeria, saio de casa só com o caderno e a caneta-tinteiro. Começo retratando uma das salas depois que vários colegas já se instalaram. De repente, me vejo desenhando fileiras de luminárias do teto, e uma ou outra câmera de vigilância.
Desço a caneta até o piso, onde dois participantes sentam-se ao lado de uma escultura de Leopoldo e Silva. A mulher de mármore está eternizada deitada, com os braços atrás da cabeça. Parece alheia à presença deles – e vice-versa. A solidez da pedra branca contrasta com as roupas coloridas de hoje: boné, tênis, camiseta e jaqueta.
Atrás deles, a musa da música, Euterpe, toca flauta envolvida por um tecido esvoaçante e cercada por borboletas numa pintura de Rodolfo Amoedo. Outra tela, de Belmiro de Almeida, retrata um rapaz com um halo ao redor da cabeça, sentado à beira de um lago. A etiqueta da obra pouco esclarece: Sem título.
Termino o desenho, feito em pé e com o braço dolorido de segurar o caderno, e fico atrás de um participante sentado em frente à tela A Vaidosa, de Pedro Américo. O título se justifica: a menina retratada na pintura usa chapéu e um vestido de mangas compridas com rendas saindo dos punhos. O mesmo braço que segura um cajado tem apoiado um tecido que lhe cai por trás até o chão. O cabelo preto ultrapassa a cintura.
Nosso desenhista está concentrado em reproduzir a obra. Curva-se para fazer os traços no caderno e levanta a cabeça para examinar a pintura. Se também é vaidoso, segue a linha mais sóbria: está de jeans, camiseta e tênis em tons de cinza e preto.
Sobre o desenho
Este post relata o 84º encontro do Urban Sketchers Florianópolis no Instituto Collaço Paulo, aonde fomos desenhar a convite do setor educativo da instituição em 17 de setembro de 2022. As duas obras publicadas aqui foram feitas in loco nesse dia.
- Caneta-tinteiro Jinhao x750
- Koh-i-Noor Document Ink
- Sketchbook Hahnemühle A4 140 g/m²
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