Existe um jeito prático de acertar as perspectivas no desenho de observação sem precisar de cálculos nem de régua. É só segurar o lápis na vertical ou na horizontal com o braço esticado e ver o quanto a beirada de um prédio ou a linha do telhado se inclinam a partir dessa referência.
No encontro do Urban Sketchers Florianópolis no Centro Histórico de São José fui desenhar o casario Gaspar Neves. Sentei-me debaixo da marquise de uma loja do outro lado da rua, de onde via todas as casas meio de lado. O declive em direção à praça Hercílio Luz complicava a perspectiva.
Lá estava eu com o braço esticado e o olho direito fechado tentando avaliar os ângulos, quando um senhor para na minha frente. Parece ter uns sessenta anos, claro, com os poucos cabelos cortados quase na máquina zero.
— Legal o desenho, hein? Vi você medindo assim com a caneta — diz, estendendo o braço. — Eu tinha um professor no colégio que me ensinou isso tudo aí. O cara era fera. Não consigo lembrar do nome dele…
— O senhor é morador daqui? — pergunto.
Quem sabe ele me conta algo sobre o bairro. Antes dele, parou um morador que é parente de Gilberto Gerlach, administrador do antigo cinema do CIC durante anos. Também falei com duas funcionárias que iam começar o expediente em um bar onde antes funcionava o Cine York, de propriedade do próprio Gerlach.
— Não, eu vim de longe. Sou do Centro – explica.
São dez quilômetros de carro. Menos de vinte minutos se o trânsito estiver bom. Deve ter percebido que não sou nativo e emenda:
— E tu, é de onde?
— Do Córrego Grande, perto da universidade, indo pra Lagoa — respondo.
— Ixi! É uma viagem — exclama.
Na verdade, o trajeto leva só quinze minutos a mais que o deslocamento até o Centro.
— O senhor desenha também? — puxo de novo o assunto.
— Não, esqueci tudo. Nunca mais mexi com isso. Agora me dedico só a ele — e aponta o dedo pra cima.
Percebo rápido que não era para o segundo andar da loja que ele apontava. Continuo olhando para meu companheiro de calçada.
— Ele me deu tudo, agora chegou a hora de fazer alguma coisa de volta.
— O senhor faz trabalho voluntário?
— Faço mais que isso — afirma, assumindo um tom grave para completar a frase — Porque o diabo está solto por aí.
Não acredito em Deus, mas lembrei na hora daquela frase da música Caninana, do Mestre Ambrósio: “pois quando o diabo não vem sempre manda o secretário”.
Seja lá se os desafetos desse senhor são com Belzebu, Satanás ou Baphomet, não vai faltar trabalho. Junto com esses três, tem outras duzentas entidades demoníacas para ele se ocupar.
- Tira-linhas Dreaming Dogs
- Nanquim diluído em água
- Papel Canson Aquarela 300 g/m² tamanho A3
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