Desenho com traço vermelho de um casal de banhistas sentados em cadeiras de praia sob um guarda-sol

O homem que assobia e vê golfinhos

Sete e meia da manhã na praia de Açores, no sul da ilha de Santa Catarina. Um senhor de barba e boné chega na areia e abre o guarda-sol e duas cadeiras dobráveis. Senta-se na da direita, de tecido amarelo. Sua mulher, mais magra e de cabelo preto, vem em seguida e pega a listrada.

Aqui em Açores, nessa hora, ainda há poucas pessoas, e bem espaçadas uma das outras. A previsão do tempo diz que as nuvens vão continuar encobrindo o Sol na parte da manhã. Apesar do calor perto dos trinta graus, a temperatura do mar não convida a mergulhos. A maioria fica até o joelho e volta para a areia.

Quem está triste ou mal-humorado não assobia. O senhor da cadeira amarela, portanto, parece estar feliz, pois exibe um repertório variado, do clássico ao popular: começa com o início de Peer Gynt, de Edvard Grieg, quando a música ainda está calminha, passa a Besame Mucho e termina com a bossa nova O Barquinho.

De repente, passa um sujeito molhando os pés no mar com uma tarrafa na mão:

— Pescador! Ô, pescador! — grita o senhor sem se levantar da cadeira de praia e aponta para o mar. — Tem golfinho ali. Deve ter peixe por perto.

— Acho que eles só estão passeando — diz o cara da tarrafa e vai embora sem dar conversa.

Olho para o mar no mesmo instante e vejo quatro desses simpáticos cetáceos mergulhando e emergindo da água.

Lá pelas tantas, o senhor se levanta, combina alguma coisa com a mulher e sai andando em direção ao Pântano do Sul. Em momento muito impróprio, porque ainda preciso da sua cabeça e do seu tronco para terminar o desenho. Passa meia hora, dou um mergulho na água gelada e ele ainda não está de volta.

Situação que me faz lembrar do filme Sob a Areia, de François Ozon, em que o marido da personagem interpretada por Charlotte Rampling resolve entrar no mar. Ela adormece, não o encontra e tem de retomar a vida sem nunca saber se ele se afogou ou desapareceu de outro jeito. Estou quase indo embora com o desenho incompleto se for isso que vai acontecer.

O senhor aparece uma hora depois, andando com um casal mais ou menos da mesma idade. Se ainda não fosse dez da manhã, acharia que ele foi almoçar no Vadinho ou no Arantes. Sua mulher permanece sentada sob o guarda-sol e vai girando a cabeça enquanto ele passa reto à sua frente, mas não acena nem chama.

O trio caminha mais alguns metros e se dá conta de que passaram do ponto. O senhor volta para sua cadeira. Agora, posso terminar o desenho.


Sobre o desenho

  • Caneta tinteiro Duke 209 com ponta dobrada (fude nib)
  • Tinta Diamine coral
  • Caderno Canson Art Book One A5 100 g/m²

Comentários

2 respostas para “O homem que assobia e vê golfinhos”

  1. anônimo

    Tu escreves bem. Dá pra pensar um próximo livro com uma compilação dessas postagens.

    1. Obrigado!

      Uma das intenções quando abri este blog é justamente essa, a de ter material para futuras publicações.

      A prioridade em 2023 é o projeto dos desenhos aqui do bairro. Se tudo der certo, final do ano começo o processo de edição.

      E já identifico outros possíveis livros, mas uma coisa de cada vez!

      Abraço

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