Dizer “vai cair um cacau” é bem diferente do “possibilidade de chuva” usado pela previsão do tempo. Enquanto o apresentador de telejornal foge da responsabilidade de dar um veredito mais assertivo, o morador olha para fora, vê as nuvens escuras, fecha os vidros das janelas e recolhe a roupa do varal porque sabe que o aguaceiro não demora.
Ainda mais quando é verão, época dos torós vespertinos que fazem o trânsito emperrar e muita gente chegar em casa com o sapato encharcado na volta do trabalho. E pode ocorrer também que esse fenômeno tão necessário atrapalhe um grupo de meia dúzia de desenhistas que resolveram ignorar tanto o rapaz do tempo como a própria intuição.
Eu fui um deles. Saí do Centro de Florianópolis rumo ao Centro Histórico de São José um pouco depois do almoço e cruzei a ponte com o céu fechado. Ao passar pela avenida Presidente Kennedy, as nuvens já estavam escuras.
![Desenho incompleto do topo e lateral da Casa da Cultura Nésia Melo da Silveira](https://ivanjeronimo.com.br/wp-content/uploads/2022/07/2017-03-04-usk11-centro-historico-sao-jose-casa-cultura-kesia-melo-silveira-966x1240.jpg)
Encontro os colegas de desenho e começo as primeiras linhas da Casa da Cultura Nésia Melo da Silveira. Assim que termino a primeira janela, gotas pesadas começam a estourar no caderno. As outras três janelas vão ficar para outro dia.
O jeito é se abrigar debaixo do coreto, bem no centro da praça Hercílio Luz. Para quem veio retratar a arquitetura do século 19 dos prédios ao redor, não é um bom lugar. A distância não combina com minha miopia e as belas árvores bloqueiam a visão das edificações (e sou péssimo em desenho de botânica, não consigo distinguir um eucalipto de uma goiabeira).
![Desenho mostrando construção ao fundo com árvore e carro em primeiro plano](https://ivanjeronimo.com.br/wp-content/uploads/2022/07/2017-03-04-usk11-centro-historico-sao-jose-theatro-municipal-1052x1240.jpg)
Mas há algo particular em se desenhar na chuva. As pessoas param de circular, quem fica não puxa conversa, quem tem trabalho a fazer tenta terminar rápido para não se molhar. Os carros e buzinas incomodam menos. Mesmo nossos ruidosos ônibus perdem alguns decibéis.
Vou segurando o material na mão para que não encoste no piso molhado e deixo meio pronto um desenho do Teatro Adolpho Mello. Uma árvore e um carro ocultam a parte da fachada bem onde está escrito “Theatro Municipal – 1854” em alto relevo.
Lá para o meio da sessão, a chuva para e o cinza das nuvens fica um pouco mais claro. Tento registrar o prédio ocupado pela Fundação Municipal de Cultura e Turismo. Vou desenhando enquanto converso com um morador, que me conta sobre a feira que acontece ali de vez em quando. Ele vai embora e começo a acreditar que vou conseguir chegar ao final de um desenho feito a seco.
Engano. Gotas começa a cair do céu de novo, desta vez bem em cima do nanquim ainda úmido. Fico com esses borrões feitos pelo acaso e penso que até que ficaram interessantes.
Sobre os desenhos
- Pena de bambu
- Pincel japonês tipo fude
- Nanquim tipo sumi
- Caderno Hahnemühle A3
- 4 de março de 2017
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