Dizer “vai cair um cacau” é bem diferente do “possibilidade de chuva” usado pela previsão do tempo. Enquanto o apresentador de telejornal foge da responsabilidade de dar um veredito mais assertivo, o morador olha para fora, vê as nuvens escuras, fecha os vidros das janelas e recolhe a roupa do varal porque sabe que o aguaceiro não demora.
Ainda mais quando é verão, época dos torós vespertinos que fazem o trânsito emperrar e muita gente chegar em casa com o sapato encharcado na volta do trabalho. E pode ocorrer também que esse fenômeno tão necessário atrapalhe um grupo de meia dúzia de desenhistas que resolveram ignorar tanto o rapaz do tempo como a própria intuição.
Eu fui um deles. Saí do Centro de Florianópolis rumo ao Centro Histórico de São José um pouco depois do almoço e cruzei a ponte com o céu fechado. Ao passar pela avenida Presidente Kennedy, as nuvens já estavam escuras.
Encontro os colegas de desenho e começo as primeiras linhas da Casa da Cultura Nésia Melo da Silveira. Assim que termino a primeira janela, gotas pesadas começam a estourar no caderno. As outras três janelas vão ficar para outro dia.
O jeito é se abrigar debaixo do coreto, bem no centro da praça Hercílio Luz. Para quem veio retratar a arquitetura do século 19 dos prédios ao redor, não é um bom lugar. A distância não combina com minha miopia e as belas árvores bloqueiam a visão das edificações (e sou péssimo em desenho de botânica, não consigo distinguir um eucalipto de uma goiabeira).
Mas há algo particular em se desenhar na chuva. As pessoas param de circular, quem fica não puxa conversa, quem tem trabalho a fazer tenta terminar rápido para não se molhar. Os carros e buzinas incomodam menos. Mesmo nossos ruidosos ônibus perdem alguns decibéis.
Vou segurando o material na mão para que não encoste no piso molhado e deixo meio pronto um desenho do Teatro Adolpho Mello. Uma árvore e um carro ocultam a parte da fachada bem onde está escrito “Theatro Municipal – 1854” em alto relevo.
Lá para o meio da sessão, a chuva para e o cinza das nuvens fica um pouco mais claro. Tento registrar o prédio ocupado pela Fundação Municipal de Cultura e Turismo. Vou desenhando enquanto converso com um morador, que me conta sobre a feira que acontece ali de vez em quando. Ele vai embora e começo a acreditar que vou conseguir chegar ao final de um desenho feito a seco.
Engano. Gotas começa a cair do céu de novo, desta vez bem em cima do nanquim ainda úmido. Fico com esses borrões feitos pelo acaso e penso que até que ficaram interessantes.
Sobre os desenhos
- Pena de bambu
- Pincel japonês tipo fude
- Nanquim tipo sumi
- Caderno Hahnemühle A3
- 4 de março de 2017
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