Quando o designer de interiores e colunista Sandro Clemes me disse que estava convidando artistas para representar a arquitetura de Florianópolis nos trinta anos após a Constituição de 1988, lembrei na hora do edifício Zigurate. “Está na lista”, confirmou ele.
— Então já reserva pra mim — respondi.
A exposição Constituintes Urbanos foi aberta no dia 15 de setembro de 2018 no átrio do Museu da Escola Catarinense – MESC como parte da programação da Paralela Arquitetura e Artes. O evento espalhou 33 ações pela cidade com o tema “o que te constitui?”.
No caminho do passe de ônibus
Quando eu tinha 13 ou 14 anos, no início dos anos 90, descia a rua Anita Garibaldi para comprar passe de ônibus escolar no escritório da companhia de transporte. Lembro de passar pelas colunas daquele edifício de estilo novo, bem na esquina com a Saldanha Marinho. É um projeto comercial de 1988 assinado pelo escritório Mantovani e Rita. Só recentemente entrei nele e fiquei sabendo seu nome: Zigurate.
Hoje ele é quase invisível. O único comentário no Google Maps é de um usuário que escreveu ser difícil encontrá-lo. Naqueles anos, parecia que Florianópolis estava se tornando uma cidade grande só por ter aquele exemplar da arquitetura pós-moderna. Não conheço outro.
Paródia dos clássicos
Para explicar o fenômeno pós-moderno, uma edição especial da revista Bizz da época com a retrospectiva dos anos 80 trazia a foto de um exemplar nesse estilo. Estava tudo lá: formas geométricas simples, fachadas falsas, cores primárias, vidros espelhados e um ar de paródia em cima de elementos clássicos.
E isso encaixa com o Zigurate. O elemento geométrico predominante no nosso exemplar ilhéu é o círculo:
- Ele está na faixa azul que oculta o estacionamento, logo acima do térreo
- Também se repete nas faixas brancas entre os andares superiores.
- A forma redonda ainda é sugerida nos acabamentos superiores em forma de semicírculo das colunas do andar térreo.
- Na esquina do prédio, a falsa marquise tem uma abertura circular que “come” a quina do volume do estacionamento.
- Outro elemento comum são as colunas cilíndricas e sem adornos que se repetem por todo o prédio.
Não lembro se a cobertura de policarbonato em “M” no térreo da rua Anita Garibaldi já existia ou foi uma adição posterior. Isso teria escondido as colunas e parte da fachada da minha visão de pedestre, o que me sugere que foram adicionados depois. O que tenho certeza é que o revestimento era de granilite. Foi moda, mas dizem que esfarela, o que deve ter sido a razão pela qual foi substituído por pastilhas.
Frio e vento
Desenhei o Zigurate em uma tarde de sábado para evitar o Centro cheio. Era um dia ensolarado de inverno, mas as sombras dos prédios não deixavam o sol chegar na rua. Só se via seu reflexo amarelado nas janelas.
Sentei na calçada oposta e usei o material de costume: pena de bambu com nanquim para os traços, pincel e aquarela para as cores. Não faço esboços, vou direto com a tinta no papel.
Assim que cheguei, vi lixo jogado em frente ao prédio e um feixe considerável de fios de poste, além de carros que estacionaram e saíram no decorrer do desenho. O lixo e os carros foram registrados, mas ignorei os cabos elétricos por medo de bagunçar tudo. O edifício é complexo por si só.
Dizem que um dos desafios do desenho é saber a hora de terminá-lo. Neste caso, o vento encanado e a queda de temperatura de 19º C para 17º C me diziam que já era hora.
PS: a obra está à venda, com a moldura da exposição. Interessou? Mande-me um email.
- Pena de bambu
- Nanquim japonês tipo sumi
- Pincel japonês tipo fude
- Aquarela em pastilha
- Papel para aquarela 37,5 x 57 cm
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