Desenho a traço mostrando um casal na praia sob um guarda-sol. A mulher está deitada com o celular, o homem lê um maço de papéis

Entrou areia na planilha

Oi, Pereira. Estou enviando em anexo a Planilha que acordamos de revisar até segunda-feira. Tendo isso em vista, necessito que você cuide disso ASAP para que o Tomazzini tenha tempo hábil de estar fazendo um merge em um PPT para a Diretoria.

— Já que você tinha de ter concordado em entregar trabalho no Carnaval, podia pelo menos ter trazido o notebook, né? — protesta a esposa, deitada na praia em uma tarde quente de céu azul.

— É você quem vai explicar pro pessoal do suporte se ele voltar cheio de areia? Aqui no papel, eu anoto com a caneta, mando as revisões pro Tomazzini pelo WhatsApp e pronto – justifica o marido sentado na cadeira. A mão esquerda segura um maço de folhas grampeadas. — E se o wi-fi da pousada não funcionar direito?

— O negócio deu umas vinte páginas. Quero ver você dizer pra esse Tomazzini a célula que é pra arrumar — contesta ela.

— Digo qual a coluna e a linha, e aí depois é problema dele.

— Então, tá — responde, resignada.

Ela se levanta, arruma a parte de baixo do biquini mais pra cima da cintura, caminha em direção à água e entra só até o tornozelo. Fica menos de um minuto e volta.

— A água não está boa? — pergunta o marido.

— Está congelando e puxando pro fundo. Eu que não vou entrar.

— A gente devia ter pesquisado melhor a praia. O Jhônatan lá da logística me falou que vem todo ano e aluga uma casa na praia nos Ingleses com a família. Tem foto da mãe dele idosa e das crianças, tudo mergulhado até o pescoço. Parece uma piscina.

— Esse mar hoje deve ser frente fria. A gente queria sossego, então aqui pra mim tá bom — afirma a esposa. Ela olha para o marido e se dá conta de que ele está com o celular no lugar da papelada. — Terminou de revisar a planilha? — pergunta ela.

— Ia indicar um ponto aqui pro Tomazzini, mas vi que o síndico mandou no grupo do condomínio que alguém deixou a porta da frente escancarada de ontem pra hoje.

— Hum, hum — assente a esposa, sem muito interesse. Ela se deita de novo na canga e pega no sono. Acorda com o sol se pondo às suas costas. Pega o celular, faz sombra na tela com a mão e vê que passa das 18h30.

O marido percebe que ela acordou:

— Viu que acharam aquele guri que bateu com uma enxada na cabeça no dono daquele mercadinho perto da avenida por causa de um troco de pão? — pergunta ele — Diz que o cara tá no hospital em coma até hoje, por pouco não morre, chegou a abrir o crânio.

— Onde é que saiu isso?

— Mandaram o vídeo da polícia levando o moleque no grupo dos zeladores — diz o marido.

— Esse mundo não tem mais jeito — diz a esposa, mais falando para ela mesma que respondendo ao marido.

— Estou vendo o modelo novo daquele SUV que eu te falei. Veio um anúncio que estão dando desconto na versão do ano passado — comenta o marido, ainda com o nariz na tela do celular.

A esposa interrompe:

— Viu que já são quase sete horas? Você já mandou os negócios ali da planilha que tinha que mandar?

— Ixi! Esqueci.


Sobre o desenho

De vez em quando, eu levo caderno e caneta para a praia e registro as pessoas ao redor. O desenho retrata o que eu vi, o texto mostra o que eu imaginei.

  • Caneta de ponta fina UniPin 0,8 mm
  • Caderno Strathmore Drawing 10,2 x 15,2 cm
  • 130 g/m²

Comentários

2 respostas para “Entrou areia na planilha”

  1. Betânia Silveira

    Muito bom Ivan! Mundo doido e sem noçao né ?! Nem precisa muita imaginacao, a realidade ta cheia de historias pra gente fazer estorias! Mas é preciso ter esse sensor especial pra captar e filtrar personagens e enredos, vc tem! Abração ! 😉✍🏽♥️

    1. Oi, Betânia!
      Como eu costumo dizer, o desenho é real. A história, nem sempre. No caso desse casal na praia, fiquei imaginando o que teria naquele maço de folhas grampeadas que o senhor lia com tanto interesse.
      Obrigado pelo comentário!

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