Desenho a traço, em preto, da gata Beterraba sentada, de costas, em frente a dois pratinhos de comida

15 anos de Beterraba

Quem tem gato é porque acredita no futuro da humanidade. Ou, pelo menos, acha que mora em uma país estável.

Gatos são irremovíveis e odeiam sobressaltos. Mesmo uma ida ao veterinário no conforto de um automóvel com ar condicionado faz o animalzinho agir como se estivesse indo ao matadouro.

Por isso, a decisão de adotar esse felino de pequeno porte exige uma rigorosa análise de conjuntura assegurando que, nos próximos dez ou vinte anos, estaremos livres de cataclismos, convulsões sociais, guerras civis e estouros nos escapamentos dos carros.

Não me imagino tendo que cruzar clandestinamente uma fronteira terrestre com minha gata numa caixa transportadora, ou tendo que procurá-la depois de um terremoto ou ciclone. Esses cenários me lembram do pobre Jones, o gato laranja levado para cima e para baixo nos corredores da nave Nostromo pela subtenente Ripley quando fugiam de um alienígena no primeiro filme Alien.

Desenho a grafite da cabeça da gata preta e branca Beterraba
Estudo para a linha de produtos Beterraba & Calabresa, da Carol Grilo

Faço essas divagações porque, semana passada, Beterraba (esse é o nome da minha gata) fez quinze anos. Se fosse uma pessoa, estaria perto dos oitenta.

Essa virginiana com ascendente em capricórnio é filha de mãe siamesa e pai desconhecido (embora desconfiemos de um gatão branco e rajado chamado Alaor que morava na casa em frente, mas não temos como provar nada). Florianopolitana, nasceu no Morro das Pedras e dois meses depois veio morar no Córrego Grande.

No ano em que ela nasceu, 2008, aconteceu uma crise financeira mundial e o Google lançou seu sistema operacional Android. O padre dos balões levantou voo, Fidel Castro renunciou à presidência de Cuba e Bill Gates se aposentou da Microsoft. Eu tinha 32 anos. Hoje, aos 47, ainda sou arranhado e mordido, e saio correndo atrás dela pelo corredor do apartamento.

Beterraba veio ao mundo durante o segundo mandato de Lula, passou por uma presidenta e dois presidentes e, no dia primeiro de janeiro deste ano, testemunhou o retorno de Lula ao Planalto. Na infame eleição de seu antecessor, temi que um daqueles cenários apocalípticos do início deste texto poderia se concretizar e tivéssemos de deixar o país.

Os três anos de pandemia, para ela, significou apenas que seus donos estavam em casa todos os dias. Em contraste, nós e todos os outros humanos brasileiros tivemos de lidar com “um vírus e um verme”, no certeiro diagnóstico do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Nessa década e meia, encarou uma mudança de casa – felizmente para o prédio em frente – e aguentou sozinha vários períodos em que seus donos viajaram a terras onde ela nunca botará os pés (ou as patas).

Durante quatro anos e meio, praticou a difícil arte da convivência ao dividir o apartamento com uma gata rajada de nome Calabresa, que morreu cedo demais. Com humanos, é seletiva: mostra os caninos para amizades queridas de seus donos mas se esfrega em técnicos de internet que nunca vimos antes.

E, mais importante, tem contornado as adversidades que a vida lhe traz.

Então, Beterraba, desejamos que não nos faltem condições de lhe dar uma vida confortável. E que o mundo respeite seu horário de sono.


Sobre os desenhos

Desenho de abertura do post:

  • Caneta tinteiro tipo fude pen (ponta dobrada)
  • Tinta Pelikan
  • Caderno Canson Art Book One A5 100 g/m²
  • Agosto de 2020

Desenho no corpo do texto:

  • Grafite
  • Caderno Strathmore Sketch A5 89 g/m²
  • Fevereiro de 2013

Comentários

5 respostas para “15 anos de Beterraba”

  1. Camila Zaias

    Lindo texto e homenagem, me emocionou! Minha gata, Char, é seletiva como a Beterraba. Recentemente completou 5 anos, espero também poder comemorar seus 15.

    1. Que possa comemorar também os vinte! Vida longa às gatas mimadas de Florianópolis!

    2. Aliás, fiquei curioso: de onde vem o nome dela?

      1. Camila Zaias

        O nome dela é francês, bem de gata mimada: Charlotte. Char é apelido, mas pegou tão bem só a chamamos assim. A não ser que ela suba em lugar onde não deve ou arranhe as visitas…

        1. Quando aprontam, chamamos pelo nome e sobrenome!

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