Mão segura desenho com os dois prédios nas esquinas em segundo plano

O Centro não é para quem gosta de desenhar sozinho

Éramos mais de vinte desenhistas no encontro do Urban Sketchers Florianópolis em 2019 na antiga Casa de Câmara e Cadeia, bem na esquina da rua Tiradentes com a Praça 15 de Novembro. Cada um de nós ganhou seu próprio rodízio de plateia – passantes que de repente aparecem atrás dos ombros e comentam sobre seu trabalho. Quando você termina de conversar com um, aparece outro.

Falei com pessoas educadas e curiosas para saber por que eu estava sentado no meio da calçada com uma prancheta no colo. Um rapaz perguntou como funcionava o tira-linhas que eu usava. Aproveitei para convidá-lo aos próximos encontros (é assim que a gente vai aumentando os participantes). Uma moça chegou e me pediu para lhe mostrar o desenho. “Muito bom”, avaliou ela, pro meu alívio.

Depois da reforma, haverá dois museus em esquinas opostas: um histórico, outro de arte

Também fui xingado por um sujeito de uns sessenta anos, de cabeça raspada e camiseta de time de futebol por cima de outra de manga comprida, depois que eu lhe chamei a atenção por ele estar justamente gritando do nada com outros participantes. Parecia ter problemas psiquiátricos, mas na hora da confusão, a razão não protege de sopapos. Por sorte, foi-se embora praguejando no meio da praça.

Vereadores, detentos e o Papai Noel

Também chamado de Palácio Dias Velho, a construção de 1780, de características luso-brasileiras, teve vários usos. Quando ainda havia uma prisão, a sociedade da época, incomodada com os gritos dos encarcerados quando sofriam castigos físicos, abriu uma solicitação “para que a prática ocorresse em outro local”.

Lembro que nos anos 2000, foi transformada na Casa do Carnaval. Depois, na do Papai Noel. Assim que Noel desocupou o espaço, o lugar virou abrigo de sem-tetos durante os dez anos em que ficou fechado. Depois de uma reforma que trouxe à tona achados arqueológicos, o imóvel foi entregue em 2018 para ser a sede do Museu da Cidade, a ser montado e administrado pelo Sesc.

Acabou que usei o prédio de pretexto para incluir a rua Tiradentes e o cantinho da Galeria Municipal Pedro Paulo Vecchietti, na outra esquina. Minha intenção era retratar as fachadas em perspectiva forçada, como Egon Schiele fazia. Não ficou parecido, mas gostei do resultado. E ainda registrei a última intervenção urbana kitsch da nossa prefeitura: um canudo colorido gigante preso na placa de rua.


  • Tira-linhas Dreaming Dogs
  • Tinta Aqualine sépia
  • Papel Montval 300 g/m² tamanho A3