Desenho mostrando duas pessoas sentadas: uma mulher no celular e um homem de uniforme de segurança com os cotovelos apoiados na mesa

E esses marcianos, que não conseguem vencer os cro-magnons?

Praça de alimentação quase vazia. TV ligada na Copa do Mundo. A legenda no cantinho da tela informa o placar: CRO 0 x MAR 0.

Vasculho os países na memória, mas não encontro dois que se encaixem nessas siglas. Descarto Mauritânia porque daí seria “MAU”. Marselha na França e a pequena Maravilha no interior de Santa Catarina também não servem: são cidades. E para “CRO”, desisto de procurar.

Resta então o mais provável: uma disputa entre cro-magnons e marcianos. Só estranho o empate. Eu apostaria que os visitantes do nosso planeta vizinho venceriam fácil.

Afinal, que chances teriam nossos primeiros espécimes humanos contra uma civilização com tecnologia para transportar uma equipe de jogadores titulares, reservas, técnico, médico e massagista por 55 milhões de quilômetros pelo espaço cósmico só para fazê-los se movimentar sobre um substrato alienígena verde atrás de uma esfera inflada com oxigênio?

Mas futebol é uma caixinha de surpresas, como dizem.

Devemos lembrar que os marcianos contam com a desvantagem de jogar fora de casa. Assim como o herói Flash Gordon, que foi parar em um planeta governado pelo tirano Ming, nossos vizinhos do sistema solar acabaram aterrissando no território de uma nação castigada pelo sol inclemente e governada por um monarca déspota. E ainda tem a torcida contra: milhares de conterrâneos de seus oponentes emitindo sons ininteligíveis.

Enquanto isso, no lado de cá do globo terrestre, dois homo sapiens estão sentados perto da TV (três, se contar comigo).

Um deles é o segurança privado, esse papel que existe para evitar que outros humanos roubem ou depredem bens dos quais ele não é proprietário. De camisa cáqui, calça preta, boné e gravata, ele fica em pé por alguns minutos e, percebendo que não há ameaças iminentes ao patrimônio, senta-se para acompanhar o jogo. Parece nervoso, como se do resultado dependesse a invasão da Terra.

A outra é a moça duas mesas atrás. Senta-se sem pedir café, pão de queijo nem torta. Ela ignora o colorido torneio de proporções planetárias na tela grande e fixa a atenção nas letras que deslizam no pequeno dispositivo em sua mão.

Em um certo momento, o locutor fala o placar: “Continua zero a zero para Croácia e Marrocos”.

Hora de voltar à realidade neste planeta e me levantar que já deu a hora de bater o ponto lá no trabalho.


Sobre o desenho

Este esboço faz parte de uma série feita de manhã cedo, no lugar onde costumo tomar um café entre a natação e o trabalho.

As mesas estão sempre vazias. Raramente há mais de uma dúzia de pessoas.

  • Caneta ponta fina Uni Pin
  • Caderno Schildkröten 16 x 8 cm
  • 23 de novembro de 2022

Comentários

2 respostas para “E esses marcianos, que não conseguem vencer os cro-magnons?”

  1. sonia maris rittmann

    Sensacional! Desenho e texto. PArabéns.

    1. Obrigado, Sonia! Essas manhãs tranquilas estão rendendo bons desenhos.

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