Desenho em traço e aquarela da lanchonete Amarelinha, com cobertura pré moldada

A (outra) lanchonete dos arcos dourados

Frente à oportunidade de desenhar a fachada do antigo hotel Metropol, exemplar bem conservado da arquitetura eclética de 1910, de fachada simétrica e cheia de ornamentos, na rua Francisco Tolentino, o que eu escolho?

A lanchonete Amarelinha a menos de 50 metros dali. A faixa vermelha com dizeres em amarelo anuncia café, salgadinhos, pratos executivos e pastéis, e o banner pendurado na frente assegura o frequentador que eles aceitam bandeiras de vários cartões.

Não que eu desdenhe do patrimônio arquitetônico de Florianópolis, mas tenho meus motivos. O primeiro é que, diferente do hotel, que faz parte do conjunto histórico da região, a lanchonete pode sumir. Sua planta circular com cobertura em arcos pré-moldados da década de 1970 dificilmente vai motivar ações de preservação.

Autor de costas com chapéu, tendo ao fundo os arcos amarelos da lanchonete
Construção da lanchonete deve ser da mesma época do antigo terminal de ônibus, inaugurado em 1975. Foto: Carol Grilo

A segunda razão é que do lado da lanchonete ficava o antigo terminal de ônibus da cidade, do qual guardo lembranças. A cobertura das plataformas do terminal era de metal curvo, sustentada por uma armação metálica. Naquela época já existia a tradição de humilhar o usuário do transporte coletivo pelo design: a proteção não chegava até a porta do ônibus e deixava os passageiros molhados em dias de chuva com vento.

Usava esse terminal antes dos doze anos quando precisava ir ao Centro – o que significava dentista, cinema ou gibis. Em 1988, as linhas das regiões centrais foram para o novo terminal Cidade de Florianópolis, perto da Praça Quinze. Permaneceram na Francisco Tolentino só os ônibus que eu pegava para o distante shopping Itaguaçu e para as praias do norte com amigos do colégio.

A lanchonete segue firme e bem frequentada, mas o terminal ficou na lembrança: foi demolido para dar lugar a mais um estacionamento em um pedaço do Centro que já está cheio deles.

Autor aplica aquarela no desenho apoiado em uma prancheta
Mureta de tijolinhos destoa do conjunto e ainda dá trabalho de pintar. Foto: Carol Grilo

Atividade

Durante a semana, a maior circulação vem do terminal central, o Ticen. Gente que passa reto rumo ao trabalho. Sábado é dia de estacionar o carro, comprar uns parafusos, uma bateria de relógio, um alto-falante bluetooth, afiar uma tesoura e ir para outro canto. De tarde, as lojas fecham e ficam só as lanchonetes abertas, entre elas a Amarelinha.

Adio o início do desenho até que quatro guardas municipais, duas delas com fuzis apontados para baixo, terminem de recolher um rapaz na traseira da viatura.

Prancheta com o desenho finalizado, tendo ao fundo a lanchonete
Desenho feito com o olho na lanchonete e o ouvido na conversa do povo ao redor

O melhor ângulo seria da lanchonete ao lado do camelódromo, mas aí eu teria de ficar de costas para uns jovens que já estão bem bêbados e falando alto. Acabo esticando o banco na esquina da Tolentino com a Álvaro de Carvalho, perto de três senhores e uma senhora em pé ao redor de uma mesinha de madeira.

Eles também estão tomando uma latinha de cerveja atrás da outra, mas me ignoram. Se provocam, falam de outros conhecidos e conversam sobre política porque amanhã é dia de eleição. De vez em quando aparecem outras pessoas. Um carro rebaixado com um funk em um volume que faz tremer a lataria para na minha frente por alguns minutos e vai embora.

O senhor mais falante e bonachão vai até o quiosque ao lado, pega mais quatro latinhas e as entrega à mulher e a um dos homens do grupo, o mais magro, de rosto cavado. Eles agradecem, entram num Uber e então percebo que ele está com uma bandeira do PT enrolada na cintura. Devem ter notado o adesivo na minha camiseta.


Sobre o desenho

Obra feita no 86º encontro do Urban Sketchers Florianópolis na tarde de 29 de outubro de 2022, sábado. O tema, que eu ignorei, era o casario histórico da rua Francisco Tolentino.

O que eu usei:

  • Tira-linhas Dreaming Dogs nº 5 (“Leeloo”)
  • Nanquim tipo sumi
  • Aquarela em pastilha Talens Van Gogh
  • Papel A3 Hahnemühle Veneto 325 g/m²
  • 30 × 40 cm

Comentários

4 respostas para “A (outra) lanchonete dos arcos dourados”

  1. Mary Lou Rebelo

    A lanchonete é muito interessante: parece um foguete estacionário, bem chamativo. Destoa dos prédios da rua, mas combina com o camelódromo…
    Interessante. Legal sua escolha e o texto.

    1. Obrigado, Mary Lou.
      A arquitetura combinava com o antigo terminal e para mim é um resquício daquela época que talvez não fique ali para sempre.
      Deu vontade de entrar e pedir alguma coisa, mas vai ficar para outro dia. Nesses anos todos, nunca botei os pés ali dentro.

  2. Antônio deleon Rodrigues dos Santos

    Ambiente muito bom lanches diferenciados muito bons e eu recomendo

    1. Obrigado pela indicação. Próxima vez vou comer lá.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *