Pintura digital de um aparelho microondas

Como exorcizar um microondas

No meio da noite, às duas da madrugada, o aparelho microondas começou a apitar sozinho. É aquele mesmo “pi” agudo de quando se aperta uma tecla.

“Que coisa!”, indigno-me. “Compramos ontem mesmo, é muito cedo para dar problema”.

De fato, a nota fiscal guardada no arquivo traz a data de julho de 2006 e o exorbitante valor de 299 reais. Corrigido pela inflação, dá mil reais hoje.

Descartada a probabilidade de defeito com tão pouco tempo de uso, resta a hipótese de uma inteligência extraterrestre estar tentando se comunicar manipulando os sinais elétricos do aparelho. Mas por que com um casal como a gente, me pergunto, sem conexão com as altas esferas de decisão política nem com cientistas de renome? Daí lembro do filme Contatos imediatos do terceiro grau, em que o personagem principal é um trabalhador comum, sem ligação com a elite norte-americana e me dou conta que, sim, isso pode acontecer com qualquer um.

Bem que os alienígenas poderiam ter escolhido o rádio ou a TV para transmitir a mensagem. Os apitos do microondas, diferente do sinal sonoro pelo qual os personagens desse filme clássico são contatados, têm o mesmo tom e duração, independentemente se você está selecionando a potência, o tempo ou o botão “pipoca”. Desse jeito, é impossível decifrar se vieram em paz ou se, pelo contrário, são uma civilização hostil que nos ameaça de aniquilação. Prendo-me à esperança de que a mensagem tenha viajado milhares de anos-luz e a civilização belicista que a enviou esteja agora extinta por um cataclismo cósmico.

Já que falei em TV, lembrei do filme Poltergeist e me vem a possibilidade das mensagens estarem vindo não do espaço sideral, mas do além. De um vingativo fantasma do proprietário anterior não deve ser, visto que o aparelho foi comprado novo. Temos até a nota fiscal do Magazine Luiza para mostrar a quem disser o contrário.

Sejam espíritos ou demônios, poderiam ter usado o display alfanumérico para facilitar a vida. A mensagem poderia até vir escrita em latim, que hoje o Google Translate resolve tudo, me poupando do clichê de filme de terror em que a pessoa assombrada pede a um velho professor de universidade que traduza o escrito ou gravação (e que acaba morrendo assim que descobre o terrível segredo preso por milênios).

Tudo seria ainda mais fácil de entender se o microondas se comportasse como no filme Reflexões de um liquidificador, em que a personagem de Ana Lúcia Torre é surpreendida pelo eletrodoméstico que, além de falar em português corrente com a voz de Selton Mello, vira confidente da moradora.

Levando em consideração que esse microondas se limita a soltar apitos, e com a madrugada indo longe, melhor puxar a tomada. Se, depois disso, esse nosso aquecedor de comida insistir nas tentativas de comunicação, é porque agora temos um portal para outras esferas por menos de trezentos reais (sem calcular a inflação).


Sobre a pintura

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Comentários

2 respostas para “Como exorcizar um microondas”

  1. Mary Lou Rebelo

    Amei o texto do incômodo micro-ondas !

    1. Obrigado! Comunico que o aparelho já foi devidamente substituído por um novo que, espero, dure mais tempo. E que não apite sem mais nem menos.

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