Quem tem menos de trinta anos não sabe o privilégio que é poder ler um livro encostado no sofá ou varar a madrugada jogando League of Legends esparramado em uma cadeira.
Dor na coluna demora para curar e estraga o humor de qualquer um. E dá-lhe despesas com ortopedistas, ressonâncias, raios-x, analgésicos, antiinflamatórios, fisioterapia e pilates.
Assim como os fantasmas do século 19 na Escócia andavam pelos castelos arrastando correntes, a gente fica condenado a perambular pra cima e pra baixo segurando uma sacolinha de farmácia ou uma pasta de exames.
A casa mais enfeitada
Uma dor na lombar na véspera do encontro do Urban Sketchers Florianópolis não é boa notícia. Antecipo que serão duas horas difíceis sentado em um banquinho duro e alto. Desenhar em pé é ainda pior.
O tema do dia é o casario da rua Hermann Blumenau, no trecho entre as avenidas Mauro Ramos e Hercílio Luz. O conjunto tem uns quinze imóveis do início do século 20 apertados um contra o outro.
Segundo a tese Florianópolis: Conjuntos históricos urbanos tombados, o endereço tinha o nome de rua Uruguai até 1931. Foi a antiga ligação do Vale das Olarias, na região da atual avenida Mauro Ramos, ao antigo Largo Municipal, onde hoje fica a Praça dos Bombeiros.
Eu devia abreviar o tempo de desenho, mas escolho a casa mais ornamentada – e complexa – da quadra. A de número 246, sede de uma consultoria ambiental. A data está escrita à mão no topo da fachada: 1913.
Pena de bambu
Retomo a pena de bambu, instrumento que usei no primeiro encontro do USk Florianópolis de que participei. O fluxo de tinta é mais lento que o do tira-linhas que tenho usado ultimamente. A mão vai mais devagar, o traço é mais pensado.
Tento manter os ombros relaxados e o abdômen contraído para não forçar a coluna. Finalizo o registro aplicando as sombras do lado direto do casarão com um pincel.
Ao terminar o desenho, me dou conta de que a lombar não incomodou. Na verdade, sinto até um alívio. Aí, lembro que estou há três dias tomando analgésico para a cervical. “Foi isso que ajudou, com certeza”, é meu diagnóstico de leigo.
Considerando que ainda tenho um braço, dois joelhos e um quadril que ainda não doem, me dou por satisfeito.
- Pena de bambu
- Pincel oriental tipo fude
- Nanquim tipo sumi
- Papel Hahnemühle Veneto 325 g/m²
- 30 × 40 cm
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