É domingo entre réveillon e Carnaval no meio do verão do Covid. O despertador toca duas horas mais cedo. Foi você mesmo que pôs nesse horário ontem de noite, lembra? Moramos em uma cidade que tem praias. É o único jeito de conseguir estacionar o carro e arranjar espaço na areia.
Não esqueça da boia de braço do Piero nem dos pés-de-pato da Constanza. E vai ser a oportunidade de fazer o stand-up paddle valer a discussão com o síndico por ter ficado um ano na vaga da garagem contrariando o estatuto do condomínio.
De máscara e com todos os protocolos de segurança, não vai dar para almoçar naquele restaurante que você frequenta há vinte anos e conhece o dono pelo nome. O mesmo estabelecimento que promove uma subida íngreme de preços a cada temporada, desde que passou a cobrir todos os pratos do cardápio com queijo gratinado ou alcaparras. Melhor levar sanduíches.
Antes de fazer os sanduíches, lembre que o marido da cunhada não gosta de atum. Aliás, ele não come nada que venha do mar, só churrasco. Mas o decreto da prefeitura proíbe acender fogueiras perto da praia. Que tal queijo prato? Com peito de peru light, claro, que é o que está na coluna “permitido com moderação“ da tabela da nutricionista. Separe alguns sem queijo porque o guri mais novo tem intolerância à lactose.
O SUV é grande, mas com seis pessoas fica apertado. Tem de caber as cadeiras dobráveis, os guarda-sóis, as bolsas, mochilas, toalhas, caixa térmica com os sanduíches, e uma outra vazia, que cerveja e gelo compra-se no supermercado no caminho, desviando dos clientes sem camisa com tatuagens que de longe parecem o logotipo da Unilever.
No estacionamento, vinte reais adiantados. “Tem ducha para tirar o sal do corpo depois que voltar”, anuncia o rapaz debaixo do sol que já vai alto. Molecada sai correndo pra água. Marido da cunhada vai junto, diz que é para olhar as crianças. No caminho do estacionamento até a areia, você lembra dos sherpas tibetanos carregando o peso da expedição enquanto os europeus recebem os louros.
Cangas estendidas, cadeiras montadas, guarda-sol aberto e enterrado na areia com a mesma expectativa de uma prospecção de petróleo. Restam poucos espaços na praia. O casal cinco metros mais ao lado parece concentrado na leitura. O marido deve estar estudando para concurso. Escreve alguma coisa no caderno, mas se distrai com frequência e olha em sua direção.
Os dois não tiraram a máscara. Da sua família, ninguém está usando. Na água não precisa, você raciocina. Não são nem dez horas. Eles arrumam as coisas e vão embora. Devem ter se incomodado. Que gente chata!
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