Tag: desenho de observação
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Banco de táxi é o divã do motorista
Foi em outra viagem de táxi, também a trabalho, que uma colega matou a charada: o banco do motorista é um divã de psicanálise. O condutor fica sentado de costas para alguém que o escuta e lhe faz perguntas. Assim, entre lombadas e cruzamentos, ele vai se sentindo à vontade para desenterrar dramas familiares, amores…
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Do bar parisiense às carteiras escolares: a história de um cinema de rua
A escuridão invade o salão. Raios de luz entram pelas frestas e revelam a poeira suspensa. Insetos caminham pelas mãos. Crianças e adolescentes gritam. O assoalho de madeira range, reclamando de cada passo. Não são cenas de um filme de terror. São minhas lembranças do Cine Ritz, que passou por meio século de mudanças na…
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Aqui era um inferninho
Deve existir um conjunto de normas para se construir inferninhos de rock em Florianópolis, porque não é possível que sejam todos iguais só por coincidência. Imagino que nessas normas estaria especificado que eles têm de ser construídos em madeira (que é inflamável) com entrada diminuta e escondida (que dificulta a saída em uma emergência e…
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Sai a coxinha com cachaça, entra o hambúrguer
Todo mundo conhece os efeitos da gentrificação. Mas, além do aumento do preço dos imóveis, da uniformização do perfil sócio-econômico dos novos moradores e dos engarrafamentos, há outra consequência séria sobre a qual pouco se fala: o fechamento dos botecos. Pé-sujo não combina com a nova proposta que construtoras, prefeitura e câmara de vereadores costuraram…
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De duas casas, sobrou uma
É fácil apontar culpados pelo ano inteiro que se passou entre o desenho de hoje e o anterior. Foi o trabalho que absorveu minhas horas, as férias que não deixaram tempo para nada, o verão da insolação e dos mosquitos, o inverno frio que enrijeceu os dedos, e até a caneta, que anda com a…
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A ponte sempre presente
Ser uma rara ponte pênsil no Brasil, ou a maior delas, deve ter sido a causa da Hercílio Luz ter virado o cartão postal de Florianópolis. Inaugurada quando a cidade era uma província de 40 mil habitantes, em 1926, foi ao mesmo tempo símbolo de modernidade e início da expulsão dos moradores pobres que viviam…
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Entrou areia na planilha
Oi, Pereira. Estou enviando em anexo a Planilha que acordamos de revisar até segunda-feira. Tendo isso em vista, necessito que você cuide disso ASAP para que o Tomazzini tenha tempo hábil de estar fazendo um merge em um PPT para a Diretoria. — Já que você tinha de ter concordado em entregar trabalho no Carnaval,…
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A quem recorro quando a bicicleta dá problema
Vou andando ao trabalho depois das férias de fim de ano e vejo a bicicletaria do Valdir fechada. Cena improvável. Quem passa pela rua sabe que as dezenas de bicicletas do lado de fora esperando a vez de serem consertadas são uma visão tão certa quanto o muro de pedra onde ficam apoiadas. Era essa…
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Taça cheia, lugar sobrando
O senhor na mesa em frente enfrenta uma taça de vinho igual à minha: cheia até a borda. A culpa é toda do garçom, o que diminui minha culpa por ter pedido álcool em vez de suco de laranja ou água mineral. Se nesse ritmo o velho chegou aos seus prováveis oitenta e cinco anos,…
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Do Senadinho às capinhas de celular
O café Ponto Chic iria completar dez anos quando o desenhista e pintor Hassis entrou ali, escolheu um lugar nos fundos e desenhou o estabelecimento. Era 1957 e os frequentadores estavam no balcão, de chapéu, paletó sobretudo e gravata. Nas mãos, xícaras de café. As únicas mulheres no desenho são as quatro funcionárias de uniforme.…
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Antes que a velha rodoviária desapareça
No final de 1976, um casal de arquitetos com um bebê de colo veio de São Paulo em um Fusca vermelho para se mudar definitivamente a Florianópolis. Ela, minha mãe, tinha 28 anos. Meu pai estava prestes a fazer 31. Só nos anos seguintes iríamos pegar ônibus na antiga rodoviária, entre as avenidas Mauro Ramos,…
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A casa azul, o coqueiro e o gato
Domingo é domingo, ainda mais de manhã cedo. O final da rua Vera Linhares de Andrade, quase no pé do morro da Lagoa, está vazio. É um trecho onde o asfalto se estreita e a calçada espreme as pessoas. A meia dúzia de casas fica escondida dos carros. De pedestres, só uns poucos moradores e…