Bem na frente do antigo bar Armazém Vieira, há três blocos de concreto que evitam colisões entre os carros que vêm do Saco dos Limões e os que vêm da Costeira.
Os blocos devem ser da época do binário ou do aterro. Se uma espaçonave alienígena os houvesse depositado lá em uma madrugada qualquer, daria na mesma. Apareceram ali, ninguém lembra como era antes e, para os motoristas, são uma certeza sólida e incontornável.
Fico na dúvida se foram uma medida calculada da engenharia de trânsito da cidade ou um improviso.
Não são novos, e desconfio que nunca foram. Estão cheio de lascas: sofreram batidas de carros ou já vieram nesse estado? São um mobiliário urbano específico ou uma seção de mureta de rodovia?
O cruzamento tem uma pequena área com grama, árvore e banco em que, tempos atrás, se podia sentar e relaxar um pouco. Agora, o pedestre precisa de minutos de paciência para atravessar a rua até ali. E depois que cruza, fica ilhado, sem ter aonde ir e nem o que fazer. Talvez ele aprecie o casarão de 1840 na esquina, que foi um estabelecimento de secos e molhados antes de ser restaurado para virar o Armazém Vieira na década de 1980.

Há quarenta anos, nesse mesmo lugar, Florianópolis perdeu um de seus músicos mais importantes: Luiz Henrique Rosa, justamente em um acidente de trânsito. Na época, ele era gerente do Armazém e deixava o expediente de carro com outros colegas quando uma Kombi colidiu com o veículo.
Luiz Henrique, que dividiu apartamento nos Estados Unidos com Hermeto Pascoal, conviveu com João Gilberto, gravou com Oscar Brown Jr. e Liza Minelli, hoje talvez seja mais conhecido pelo hino do time de futebol Avaí. Um conjunto de prédios batizado com seu nome, alguns metros acima na rua Deputado Antônio Edu Vieira, é a única homenagem que se vê na cidade. Sua trajetória foi resgatada em 2007 no documentário Luiz Henrique – No Balanço Do Mar, dirigido por Ieda Beck.

Nem eu, nem ninguém que eu conhecia foi habitué do Armazém. Era daqueles lugares em que clientes endinheirados comprava suas garrafas de uísque e as deixavam atrás do balcão, etiquetadas com o nome.
O Armazém fechou em 2017 e a discreta placa de metal que identificava a casa noturna sumiu. Na mesma fachada da rua Aldo Alves, há um banner de vinil que anuncia um “projeto multifamiliar residencial”, palavreado vago que pode ser muita coisa.
Resta saber como o casarão tombado vai ser incorporado à construção. Entre uma solução tipo Casa do Barão (que preserva a construção e o entorno) e Pátio Milano (que quase engole o imóvel), me parece provável que, o quer que venha, será mais restrito.
Aí, quem sabe, para ficar mais coerente com as linhas modernas do novo empreendimento, os blocos de concreto serão substituídos por soluções menos feias para disciplinar o trânsito.
Sobre o desenho
Arte feita no 116º encontro do Urban Sketchers Florianópolis, antes que o Armazém seja coberto por tapumes.
- Caneta tipo brush pen Tombow Fudenosuke
- Waterbrush Pentel
- Aquarela Van Gogh em pastilhas
- Sketchbook Hahnemühle A4 140 g/m²
Deixe um comentário para Mary Lou Rebelo Cancelar resposta