Desenho a traço de dois homens sentados em uma mesa, um de frente pro outro

Assim se cumprimentam os homens

— E daí, jogador!

Sentado à mesa, o homem de camiseta branca olha para trás para ver quem o chamou. Deve ser um amigo ou colega de departamento. Se sentam frente a frente.

Fosse eu, acharia que não é comigo. Nunca pratiquei, por vontade própria, futebol, handebol, basquete ou qualquer dessas atividades coletivas com regras, time e oponentes. Tudo coisa que cheira a trabalho, na minha opinião. E sem salário.

Tampouco sou conhecido pelas habilidades em jogos de tabuleiro. Apesar de vir conquistando vitórias consecutivas no xadrez e no dominó contra minha sobrinha de oito anos, já estou me preparando para a virada de mesa quando ela estiver com o pensamento lógico e estratégico mais desenvolvidos, provavelmente no ano que vem.

Canastra ou pôquer, nem pensar. Amaldiçoo quem apelidou de “ouro” ou “copas” sinais tão simples como o losango e o coração, criando-me dificuldades intransponíveis para memorizar as regras. E mesmo que aprendesse, duvido que o acaso me favoreceria com boas cartas.

Outro cumprimento comum, “fala, guerreiro”, chega a ser engraçado de tão inadequado. Na hora, associo ao Conan, o Bárbaro (a versão dos quadrinhos de John Buscema), e me pergunto se a pessoa não está tirando uma com a minha cara.

Sem julgar minha constituição física, a única vez em que o fio de uma arma branca empunhada por mim cortou carne humana foi quando por pouco não arranco a ponta do meu dedo ao cavoucar um coco com a melhor faca de cozinha da casa. Quase desmaiei deitado no piso de azulejo (síncope vasovagal que chama). E se isso não fosse impedimento suficiente, ainda teria o inconveniente da tanga de pele de tigre dente de sabre, que deve pinicar.

“Mestre” é um título importante, mas curioso. Diferente de um professor, que passa conteúdo em uma escola ou universidade, o mestre transmite lições que irão guiar o discípulo por toda a vida. Prefiro não ter essa responsabilidade: o risco de levar um infeliz a decisões erradas seria muito grande.

A bajulação subentendida no muito usado “campeão” me faz desconfiar de quem chega me chamando assim. Além da descarada inverdade, sei que a pessoa vai acabar incomodando. Pode ser um simples “sabe que horas são?”, mas geralmente é vendedor, golpista ou, pior, alguém pedindo para chutar de volta a bola que saiu do campo.

E o indivíduo que me encontra e fala “manda aí, fera”, espera que eu responda como? Com um rugido? Talvez eu devesse mostrar entusiasmo – ou garra, para ficar na metáfora selvagem – mas geralmente estrago a expectativa com um simples “tudo tranquilo”.

Com um amigo do tempo de faculdade, o negócio era mais sincero. Costumávamos nos cumprimentar com um cordial “E aí, cafajeste?”, ao que o outro respondia de bate-pronto: “E daí, canalha!”

Virou mania, mas agora não lembro qual era um, qual era o outro.


Sobre o desenho

Este esboço faz parte de uma série feita de manhã cedo, no lugar onde costumo tomar um café entre a natação e o trabalho.

As mesas estão sempre vazias. Raramente há mais de uma dúzia de pessoas.

  • Caneta ponta fina Uni Pin 0,8 mm
  • Caderno Strathmore Drawing 10,2 x 15,2 cm
  • 130 g/m²
  • 6 de março de 2024

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