Desenho de um casal em cadeiras de praia. Roupa pendurada no encosto sugere vento

Palavras ao vento

Entrando em Porto de Galinhas, o motorista que nos trouxe de Recife logo recomenda aquelas camisetas de manga comprida com proteção contra os raios ultravioleta que quase todos vestem por aqui, de ambulantes empurrando carrinhos a veranistas em cima de mountain bikes com peças importadas.

Chegamos à praia na metade da manhã, em um trecho com menos gente. O trabalhador de uma das barracas nos avisa que se consumirmos qualquer coisa não pagaríamos pelo aluguel das cadeiras e do guarda-sol.

O vento disfarça o sol forte, faz voar os pratos e copos descartáveis e esquenta a cerveja. O ruído do ar soprando no ouvido abafa a risada fina das crianças, as pequenas ondas no mar transparente e as bolas de frescobol nas raquetes de madeira.

Já é quase final da tarde quando um casal de seus sessenta anos arma as cadeiras de forma que uma delas fique de frente para a lateral da outra. Não trazem guarda-sol e estão bronzeados. A mulher usa um biquini florido e viseira. O homem, sunga e chinelos. Os dois estão de óculos escuros.

Poderiam ser um casal de argentinos ou uruguaios envolvidos com imóveis, como tem aqui em Florianópolis. Quem sabe, na transição entre serem turistas de temporada e eternos estrangeiros isolados em um lugar turístico, aonde os poucos nativos vão só para trabalhar.

Ou, tal como nos filmes policiais e de espionagem, talvez precisem do sigilo de uma conversa ao ar livre. Problemas com genros ou noras, disputas com o vizinho pela posição do muro, a melhor hora de entrar com a aposentadoria… Se a mudança de ambiente estimula o cérebro, como dizem, a beira da praia parece um bom lugar para decisões irreversíveis.

Mais provável é que os temas sejam cotidianos. A temperatura do mar, o que jantar de noite e o fato de anoitecer cedo na região. E até sobre o movimento das marés, assunto que descobri que os pernambucanos dominam para saber quando ir à praia.

Menos de uma hora depois de se instalarem, os dois se levantam, dobram as cadeiras e vão embora para um dos lados. O sol lateral do fim de tarde ainda pode queimar.

Enquanto nós, que passamos o dia inteiro debaixo do guarda-sol, voltamos vermelhos. Para quem veio de uma cidade que também tem praia, agimos igual a dois escandinavos desavisados. E, claro, ignoramos a recomendação do motorista sobre as camisetas com proteção UV.


Sobre o desenho

Traços feitos durante uma viagem a Pernambuco, lutando contra o vento querendo virar as páginas do caderno.

  • Caneta Uni-Pin 0,8 mm
  • Caderno Canson Art Book One A5 100 g/m²

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