Desenho a traço de pessoas na sala de embarque de um aeroporto. Ao fundo, avista-se um avião pousado

A música entre os voos

Numa viagem dez anos atrás, vi a cantora belga Selah Sue no aeroporto de Florianópolis, retornando de um show no dia anterior. Na fila do check in, estava separada da banda – caras uns quinze anos mais velhos que ela e uns trinta centímetros mais altos, de roupas pretas e brincos na orelha. A artista, que a assessoria apresentava como “linda, jovem e loira de olhos azuis”, estava visivelmente entediada, de óculos escuros e com os cabelos presos no topo da cabeça.

Dá para entender. Se até nós, que viajamos de vez em quando a turismo, nos aborrecemos com as esperas e filas, imagino os músicos em excursão. Pessoas que passam mais tempo em saguões de aeroportos e assentos de aviões que tocando no palco ou descansando em uma cama.

Até um certo nível de riqueza (ou de pobreza, dependendo de quem olha), somos todos tratados iguais, do assistente administrativo à pop star. Pagamos doze reais em um pão de queijo, fazemos longas caminhadas quando trocam a plataforma, criamos histórias alternativas em que os espertalhões que furam fila se dão mal e torcemos para que nossa mala caiba no bagageiro superior.

Por isso, não me espanta a quantidade de adultos com fones de ouvido e de crianças com tablets e celulares. Vale tudo para se isolar de um ambiente desconfortável. Nem o fotógrafo Anton Corbijn conseguiu fazer com que os membros do U2 parecessem estar fazendo algo especial no saguão do Charles de Gaulle, na capa do álbum All that You Can’t Leave Behind. Troque as bolsas por malas de rodinhas e as roupas pretas por camisas azuis claras e não há nada que os diferencie de uma equipe de vendas à espera da próxima conexão.

No final da década de 1970, o compositor inglês Brian Eno estava em um aeroporto alemão sendo massacrado pela música de elevador que tocava no lugar. Idealizou então o disco Music for Airports, que acabou definindo o rótulo “ambient music”.

Quem me dera essas minhas esperas fossem assim tão produtivas. Aqui, o máximo que consigo são esses desenhos que faço torcendo para que a pessoa retratada não se dê conta de que virou modelo vivo.


Sobre o desenho

O esboço que abre esta postagem foi feito no aeroporto de Guarulhos durante uma conexão para Recife que, por sorte, foi curta.

  • Caneta tinteiro Jinhao x750
  • Tinta preta Koh-I-Noor Document Ink
  • Caderno Canson Art Book One A5 100 g/m²

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