Oito da manhã e a praça de alimentação está quase vazia. Na área lateral, só duas mesas ocupadas. Em uma delas, uma estudante de uns vinte anos dorme sentada, com a cabeça e os braços apoiados na mesa. Normal, não fosse por ela estar sobre um travesseiro.
“Por que você traz um travesseiro para a aula?”, imagino uma colega sua lhe perguntando ao encontrá-la durante o dia. Afinal, se o problema fosse só de sono, bastaria dormir até mais tarde em casa, na própria cama.
Mas vai saber como (e com quem) ela mora. Pode ser que o burburinho das pessoas conversando, o assobio do vapor da máquina de café espresso e o tilintar dos talheres seja melhor para embalar o sono do que a companhia da pessoa com quem ela talvez divida um apartamento pequeno.
Namoradas ou namorados no quarto ao lado, gamer berrando às 2 da madrugada depois de levar um golpe de espada no League of Legends, fãs de sertanejo universitário… Os cenários similares ao inferno são prováveis e infinitos. E com o preço do aluguel, da comida e do transporte na capital, um fone de ouvido com cancelamento de ruído nem sempre é viável.
Por falar em transporte, talvez ela tenha vindo direto da rodoviária, saindo da casa dos pais no interior de Santa Catarina. Muito mais digno um travesseiro do que aquela ferradura inflável envolvendo o pescoço que se vê nos aeroportos.
Nisso, alguém deixa cair um molho de chaves no chão. Os dedos dos pés se mexem dentro do chinelo, mas ela não acorda. Admiro quem consegue dormir com os pés descobertos. Fosse comigo, viriam logo coriza e espirros, que em menos de seis horas evoluiriam para um quadro de gripe e ainda deixariam duas semanas de tosse incapacitante.
Seus professores, imagino, devem lhe lançar olhares desconfiados quando a veem entrando em sala com o travesseiro embaixo do braço. “Essa menina vive dormindo”, pensariam, ao corrigir um exercício, lembrando mais facilmente do inusitado travesseiro que dos seus esforços em aula.
Em tempos recentes, em que um ex-astronauta passou a vender um travesseiro milagroso de uma tal N.A.S.A. (separado com pontos para confundir) e se tornou ministro da Ciência e Tecnologia participando do maior desmonte da pesquisa científica nacional nas últimas décadas, talvez levar um travesseirinho fino de algodão e sem fronha para a faculdade seja um silencioso ato de protesto.
Sobre o desenho
Este esboço faz parte de uma série feita de manhã cedo, no lugar onde costumo tomar um café entre a natação e o trabalho.
As mesas estão sempre vazias, raramente há mais de uma dúzia de pessoas.
- Caneta ponta fina Uni Pin
- Caderno Schildkröten 16 x 8 cm
- 16 de novembro de 2022
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