Sempre admirei a revista Serrote pelo design, mas não sabia do que ela tratava: artigos acadêmicos? Literatura? Ou um pouco de cada coisa?
Folheava as edições nas livrarias e sentia que o Instituto Moreira Salles não estava facilitando a minha vida: além da publicação custar o preço de um livro, as pautas me pareciam herméticas. Sentia que os ensaios não eram pro meu bico.
Em um passeio de sábado na melhor livraria de Florianópolis, a Livros & Livros, puxo a edição 38 da estante e vou passando as páginas.
No miolo, encontro uma seção com páginas e páginas de desenhos de uma cidade meio europeia vista do alto. Tudo muito pequeno e detalhado, assinado pelo ilustrador Eloar Guazzelli, o mesmo que retratou Florianópolis na coleção Cidades Ilustradas.
O processo de criação vale ser comentado: a série Cidade Nanquim começou em 1990 durante o tempo em que o artista ficou internado num hospital. Ele começou a desenhar em uma folha A4, sem recorrer a referências ou à observação, e emendava novas folhas conforme ia ficando sem espaço. Depois disso, o autor retomou o desenho algumas vezes, resultando no trabalho que está na Serrote.
Decido comprar a publicação. Se eu não entendesse os artigos, ao menos me restariam as figuras (e o design editorial).
Mas sou do tipo que entra numa exposição e lê o texto inteiro do curador fixado na parede. Ou que antes de tomar o remédio lê a bula de cabo a rabo. E que abre o caderno Ilustríssima da Folha no domingo.
Acabei lendo a revista inteira. E com gosto. A edição começa com um artigo claro e contundente sobre as raízes históricas do racismo contra negros no Brasil, escrito pela historiadora Ynaê Lopes dos Santos com pinturas de Arjan Martins.
E há outros bons textos nas 200 páginas da publicação: Bruno Paes Manso explica como o modus operandi das milícias do Rio de Janeiro elegeu um presidente. A jornalista e tradutora Stephanie Borges revela como a aceitação de seus traços negros a fez refletir sobre questões mais gerais de identidade. E o historiador de arte Rafael Cardoso defende que os críticos que consideram a Semana de Arte Moderna como marco inicial do modernismo ignoraram manifestações anteriores, de Lima Barreto a ilustradores como K.Lixto.
Já estou pensando em virar assinante (ou pedir ao pessoal da Livros & Livros reservar os novos exemplares).
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