Cena em que Charulata escreve no caderno no filme de mesmo nome

A caligrafia na caracterização de personagens

Costumo dar sorte na seção de filmes que estão para sair do Mubi. Desta vez, foi A esposa solitária (Charulata), produção indiana dirigida por Satyajit Ray. É de um país cuja cinematografia eu desconheço e recebeu nota quase nove dos assinantes (as outras produções raramente chegam a oito).

No fundo, trata-se de um folhetim, mas a direção, as sutilezas nas entrelinhas, os atores e a música compensam. Nas primeiras cenas, somos apresentados a uma fabulosa fotografia em preto e branco (a qualidade da restauração estava excelente).

Começa o filme e vemos uma jovem bem vestida, Charulata (Madhavi Mukherjee), bordando um lenço na mansão onde se passa quase toda a história. Ela se levanta e escolhe um livro na estante. Depois, espia pedestres na rua com um binóculo. Parece entediada.

A chegada de um primo do marido, Amal, sujeito com ambições literárias mas desinteressado por trabalho, muda as coisas. O marido, percebendo o interesse da esposa pela literatura, pede ao rapaz que a estimule.

Em partes do filme, Charulata e Amal escrevem com pena de metal e tinta nanquim. Eles são bengaleses, povo que habita Bangladesh e parte da Índia.

Caligrafia do personagem Amal no filme Charulata

Mesmo sem conhecer o idioma, é possível perceber a diferença da caligrafia dos dois personagens. A de Amal é mais ornamentada, com contraste entre traços grossos e finos. Charulata escreve mais devagar, em uma letra uniforme e austera.

O comum no cinema é contratar calígrafos, de preferência com mãos bonitas, que possam “dublar” os atores quando se faz o close no papel. Só que aqui, menos para o personagem Amal, o ator Soumitra Chatterjee foi instruído pelo diretor a praticar a escrita.

Há vários outros motivos para assistir ao filme além dos poucos segundos que duram essas cenas. Mas, para quem tem curiosidade por caligrafia, é interessante ver os movimentos dos caracteres de outra língua, ainda mais de um lugar tão distante.


PS: o filme saiu hoje de cartaz no Mubi, mas o catálogo sempre tem títulos selecionados de vários países e épocas. Se quiser testar o serviço por trinta dias, use este link (e você me ajuda a ganhar uma tote bag).

Comentários

8 respostas para “A caligrafia na caracterização de personagens”

  1. Fabricio

    Vou finalmente experimentar o Mubi, algo que há tempos pensava em fazer mas sempre adiava. Utilizei o link que você ofereceu.

    Você já assistiu à trilogia do Apu? O primeiro deles, “Pather Panchali”, se eu não me engano foi o primeiro filme dirigido pelo Satyajit Ray, quando ele nada ainda sabia sobre o ofício, nem tinha os equipamentos adequados etc., e ainda assim é um filme lindíssimo. Recomendo! (Acabo de conferir que tem lá no Mubi, toda a trilogia.)

    1. Oi, Fabrício! Charulata foi o primeiro e único filme que vi do diretor. Não o conhecia. Agora vou atrás dos outros (a filmografia dele é gigantesca!). Acabei de ver que a trilogia aparece listada no Mubi, mas não está disponível. Mas tem outros 3 ou 4 títulos. (Obrigado por usar o link de inscrição)

      1. Fabricio

        Ah, é verdade, eles aparecem listados mas não estão disponíveis. E vários filmes que fui colocando na minha watch list estão nesta situação, hehehe. Mas tudo bem, o serviço parece ótimo. Ainda estou navegando e entendendo como funciona. Gostei da seção de textos e notícias; há um texto muito bom sobre a trilogia do Apu: https://mubi.com/notebook/posts/the-apu-trilogy. Esses filmes, aliás, se você não achar nos canais legalizados, você os encontra fácil no submundo dos torrents.

        1. Esse blog do Mubi tem artigos muito bons. Faz um tempo saiu um sobre os cartazes dos filmes da Márta Mészáros. Tá sabendo que eles lançaram uma publicação impressa com o mesmo nome, Notebook? O número zero teve um lançamento com tiragem limitada e agora eles estão oferecendo a assinatura anual (é semestral). Infelizmente, sai caro pra gente: https://mubi.com/notebook/magazine

        2. Fabricio C. Boppré

          Que legal essa iniciativa da revista impressa. Tomara que perdure. Embora eu já seja um saudoso da época de ouro dos blogs (uma das tantas desgraças das redes sociais é estarem matando os blogs e o RSS), essencialmente continuo um leitor de publicações feitas de papel. O que provavelmente revela que eu nasci no século passado.

          Mas o blog do Mubi é muito bom, fiz uma navegação retroativa e guardei vários posts para ler. Curioso como uma das melhores leituras sobre cinema, hoje, se encontra em um site de streaming assim como uma das melhores sobre música se encontra em outro site de streaming — no caso, o bandcamp daily (https://daily.bandcamp.com/).

          Começamos nossa jornada no Mubi ontem com dois filmes ótimos: Bad Seed (a primeira obra do Billy Wilder, meu diretor favorito desde sempre — e eu nunca tinha visto esse filme!) e The Kindergarten Teacher. Hoje estamos pensando em assistir este: https://mubi.com/films/wendy-and-lucy (adoramos essa diretora).

        3. Esses dois estão na lista, mas ainda não vi. O que você achou de Kindergaten Teacher? Wendy and Lucy é ótimo (e muito triste). Um excelente contraponto à Nomadland.
          Não conhecia o blog do Bandcamp. Muito bom o formato que já oferece as faixas para ouvir dentro do post. Estou vasculhando um dos mais recentes, sobre rap e hip hop. Valeu!

  2. Fabricio C. Boppré

    Gostei muito do The Kindergarten Teacher, Ivan. Adoro filmes cujo olhar se demora sobre um(a) personagem em crise existencial, alguém em descompasso com o mundo. O ritmo do filme é ótimo, um reflexo da interioridade desta personagem, mostrando sem pressa seus momentos introspectivos, suas dúvidas, falhas, frustrações. Também tem o fato de que a a razão da desilusão da personagem é algo com que eu posso perfeitamente me relacionar: algo que ela percebe como um desencantamento do mundo. E o final (literalmente a última cena) é muito bonito!

    Se você gosta desse tipo de estudo de personagem e desses temas, pode assistir sem medo.

    Também gostei muito de Wendy e Lucy (assistimos ontem), que segue mais ou menos a linha acima. Kelly Reichardt é decididamente uma de minhas diretoras contemporâneas favoritas, gostei muito de todos os 4 ou 5 filmes dela que assisti. Meu favorito é este, que infelizmente não está em cartaz no momento: https://mubi.com/pt/films/certain-women-2016

    Sobre as boas seções de textos do Mubi e do bandcamp, depois fiquei pensando que isso reflete o que esses serviços aparentemente têm de diferente em relação aos seus similares mais famosos (Netlfix e Spotify): o fato de que dentro dessas empresas (Mubi e bandcamp) deve ter quem genuinamente gosta e se importa com música e cinema, coisa que eu não sei se podemos dizer a respeito dos outros… (não gosto muito do Netflix, e do Spotify menos ainda).

    1. Da Kelly Reichardt consegui assistir só esee, Wendy e Lucy, e First Cow. Resta só mais um na plataforma, os outros saíram. O Mubi costuma fazer retrospectivas de diretoras(es), nisso é uma oportunidade de se aprofundar em uma filmografia. Acho que até hoje os da Agnès Varda e do Éric Rohmer estão lá.
      Vi The kindergarten teacher no domingo e também gostei bastante. É pouco óbvio e, como você escreve, deixa transparecer de modo muito sutil a personalidade da personagem.
      Sou assinante do Spotify, que paga mal os artistas e protege negacionista, mas já andei pensando em sair. Vou dar uma boa olhada no Bandcamp.

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