Livro “San Paolo – Desenhos e prosa da cidade” de Vincenzo Scarpellini

São Paulo em tons pastéis

Se um artista estrangeiro chegasse em sua cidade, o que ele escolheria retratar? Nas mais de 80 ilustrações reunidas no livro San Paolo – Desenhos e prosa da cidade, o italiano Vincenzo Scarpellini (1965-2006) usou as construções como pano de fundo para registrar a vida na maior metrópole do Brasil.

Mesmo sem escapar de pontos conhecidos como o Parque do Ibirapuera e o edifício do Banespa, por exemplo, são as cenas comuns que predominam. Pessoas amontoadas no metrô, ruas cheias de carro e o movimento do comércio popular mostram a preferência do artista pelo cotidiano e pelo que a cidade tem de autêntico. Postura que também se reflete na escolha do próprio artista de morar na Praça da República, no Centro.

“Multidão na saída 22”, aeroporto de Congonhas

Páginas do jornal

Os desenhos originalmente acompanhavam a coluna Urbanidade do jornalista Gilberto Dimenstein (1956-2020), na Folha de São Paulo. Scarpellini, designer gráfico no jornal, começou a publicá-los a partir de 2000 e continuou até sua morte, em 2006, aos 41 anos.

Não havia a obrigação de ilustrar o assunto do dia. Talvez por isso, o italiano sempre escrevia um texto curto, não muito maior que uma legenda. Em menos de cinco linhas, ele informava sobre o local retratado, reproduzia citações ou contava suas impressões. De vez em quando, assumia tons poéticos. Esta edição, da Publifolha, reproduz esses textos na página oposta aos desenhos.

Textos que acompanham as ilustrações vão além da função de legenda: são pequenas crônicas

Botando a cidade na linha

São Paulo não é uma cidade fácil de se desenhar. As camadas acumuladas de prédios e monumentos vêm sempre acompanhadas de carros e pessoas (que se movem) e de postes, placas e outdoors (que quando não bloqueiam a vista, tornam a paisagem mais complexa).

Scarpellini não só inclui a poluição visual, como consegue decompô-la como parte do cenário. No bairro da Liberdade, por exemplo, ele pintou os característicos postes vermelhos com lanternas brancas, mas também a propaganda de um centro comercial na empena de um edifício.

Da mesma forma, ele se dá bem na difícil tarefa de representar vistas aéreas, com a infinidade de prédios diminuídos pela distância e cortados por avenidas que terminam no horizonte.

Scarpellini decompõe as figuras humanas da mesma forma que faz com outros elementos da paisagem urbana

As ilustrações, sempre em pastel sobre papel amarelado, têm a variação de estilo que se espera de uma produção semanal que durou seis anos. A escolha do material e a representação do corpo humano às vezes fazem lembrar outro artista italiano, Lorenzo Mattotti. Aqui, predominam os azuis-claros e laranjas.

Na São Paulo de Scarpellini, as pessoas são um elemento da paisagem tão estilizado quanto as colunas da estação da Sé ou as janelas dos prédios da rua Quintino Bocaiúva. Muitas vezes, ele pega só o detalhe de uma construção. Em outras, esboça os trabalhadores esperando o ônibus no ponto. Há também uma série de retratos, de comerciantes anônimos ao arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Lembranças

Para mim, que ia todo ano a São Paulo passar as festas de fim de ano com a família, folhear o livro trouxe lembranças da cidade. Um almoço no Centro com os pais, um garfo de plástico quebrado ao comer uma minipizza com minha mãe na Rua Nova Barão, as pernadas na galeria do rock atrás de CDs raros ou baratos e um réveillon na cobertura do edifício Copan (prédio que está na contracapa).

Interior do restaurante Almanara, no Centro

As páginas também me apresentaram lugares que eu não conhecia: o parque Burle Marx, a favela no Parque Santa Madalena e o mais incrível: uma vista aérea dentro do dirigível da Goodyear, que eu achava que era só um balão de publicidade amarrado ao solo.

Vale o garimpo

As obras estão bem reproduzidas em papel ofsete 150 g/m², que não deixa a impressão visível no verso. Só senti falta de mais informações sobre técnica, dimensões e como foram feitas – in loco, de memória ou baseadas em fotografia, por exemplo. E fico curioso de saber quantos desenhos ficaram de fora da seleção.

O livro é de 2009, mas ainda dá de encontrá-lo em algumas livrarias ou baratinho nos sebos.


  • San Paolo – Desenhos e prosa da cidade
  • Vincenzo Scarpellini (desenhos e textos)
  • Edição bilíngue (português e inglês)
  • Publifolha, 2009
  • 176 páginas, capa dura
  • 22 × 16 cm
  • ISBN: 9788579140518

Este texto é parte de uma série de resenhas de livros sobre urban sketching. Veja todos os posts.

Comentários

2 respostas para “São Paulo em tons pastéis”

  1. […] primeiro será San Paolo, de Vincenzo Scarpellini (lombada azul, na foto), que estou terminando de […]

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