Fim de tarde gelado de uma terça-feira. Não tem ninguém nos longos corredores com piso de taco do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC.
Caminho vinte metros e paro em frente à sala 125. Está escuro na janelinha no alto da porta, mas lá dentro a sessão de desenho com modelo vivo já começou.
Foi neste prédio que fiz a faculdade de jornalismo há trinta anos. Penso no que aconteceu nesse tempo – a graduação, os trabalhos como arte finalista, ilustrador e designer, a carreira em UX design de quinze anos pra cá – e na prática de representar corpos no papel, à qual sempre retorno. Devo ao desenho com modelo vivo muito do traço e do senso de proporção que tenho hoje. Tem sido uma âncora.




O instrutor Lese Pierre dá instruções breves: “não desenhe rostos porque você vai se preocupar se vai ficar parecido”, “desenhar é descrever visualmente”, “tenha coragem de se arriscar”.
E a principal: “não entrega tudo”, que é a dica para que a escolha do que entra e do que fica de fora no desenho seja consciente. Ou que fique algo para o espectador completar.
Os modelos estão com roupas. O inverno está chegando e as temperaturas aqui podem cair abaixo de 10º C. As poses começam com um minuto de duração, aumentam para três minutos e, em alguma sessões, chegam a seis. Anoto a data e a duração da pose em todas as folhas.




“Faltam 21 segundos”, avisa Pierre. Ele sempre diz um número quebrado.
Quando dá tempo, observo como os outros participantes olham para os modelos e tento bisbilhotar os trabalhos, tão diferentes um dos outros.
Desenhar pessoas de observação parece um exercício despretensioso, mas opera transformações. Suspendo o julgamento, elimino a expectativa por uma obra prima e aceito os erros porque sei que errar é construir seu próprio repertório e, quem sabe, descobrir formas novas de representação.




Na terceira sessão, uma surpresa: seremos nós os modelos, duas ou três poses para cada um. Quando chega minha vez, subo no pequeno tablado, sento-me em uma cadeira e torço o tronco para olhar para trás.
Não sinto vergonha nem vaidade. Ficar parado enquanto os outros te desenham é um exercício puramente físico. A única coisa que me passa pela cabeça é me manter imóvel. Pela experiência, sei que mesmo um leve deslocamento atrapalha quem está com o lápis na mão.




Morro de curiosidade para ver como os participantes me desenharam, mas uma virtude nesse grupo é justamente não haver crítica ou avaliação. Acabada a sessão, todos vão embora. Poucos mostram a produção da noite.
Às vezes, no fim da sessão, Pierre pede para as pessoas adivinharem a profissão da pessoa que posou. Ninguém acerta: o corpo nem sempre representa o que fizemos de nossas vidas, como alguns acreditam.
Sobre os desenhos
Os desenhos que ilustram este texto foram feitos em quatro sessões do curso de extensão “Óbvio – Grupo de desenho”, com condução de Lese Pierre e organização de Doug Menegazzi, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Usei lapiseiras de 5,6 mm das marcas Koh-I-Noor, CIS e Jackson Arts (essa última eu não recomendo), com minas de grafite e crayon nas cores preto, sanguínea, branco e multicor. Os suportes foram dois cadernos com os seguintes papéis:
- Papel kraft:
- 24 × 32 cm
- 110 g/m²
- Papel branco
- 29,7 × 42 cm
- 75 g/m²
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