Não que o filme indiano A Lancheira seja desinteressante, mas o sistema de transporte de marmita que aparece logo no começo me deixou mais perplexo que o enredo, em que uma mulher descobre que outro homem está recebendo por engano o almoço que ela prepara para o marido.
O filme abre com ela cozinhando de manhã. Cada porção é separada em potes de metal, que são empilhados e fechados em uma bolsa. A partir daí, começa meu espanto:
- Ela desce na frente do prédio e entrega a bolsa com a marmita a um rapaz de bicicleta. A comida vai na garupa junto com outras dez ou doze bolsas.
- Debaixo de um toró, o entregador pedala até um ponto da cidade onde as marmitas são transferidas para estrados transportados em carrinhos. Aqui já são mais de vinte marmitas por estrado e um ou dois estrados por carrinho.
- Os carrinhos são empurrados a mão por outros trabalhadores até uma estação de trem.
- Na estação, tão lotada quando o metrô de São Paulo no fim do expediente, cada estrado é apoiado no ombro ou na cabeça dos entregadores e empilhados dentro dos vagões de passageiros.
- Na estação de destino, as marmitas voltam a ser levadas por estrado e carrinho até as empresas de destino.
- Um último funcionário pega a marmita na rua e entrega na mesa do trabalhador certo.
O serviço, chamado dabbawala, existe há mais de cem anos em Bombaim (ou Mumbai) e é de deixar qualquer app de delivery no chinelo. Todo dia, 5 mil funcionários transportam algo em torno de 200 mil marmitas por distâncias médias de 40 quilômetros.
Tinha tudo para ser uma confusão, mas enganos como o do filme são raros. Você deve estar se perguntando por que não almoçar em um restaurante perto do trabalho ou levar a marmita de manhã. Parece que a resposta tem a ver com culinárias locais, confiança na comida feita em casa (ou por um fornecedor de confiança) e o fato dos trabalhadores saírem muito cedo de casa.
E foi para destacar esse sistema e seus entregadores de chapéu branco que decidi o tema do cartaz.
O poster

Achei que cairia bem um desenho a traço, que sugerisse a leitura em sequência, como uma tira de quadrinhos. Lembrei dos cartazes da produção dupla Smoking/Non Smoking, de Alain Resnais, que antes de assistir me estimulavam a interpretar o que me esperaria e, depois, me convidavam a fazer as relações com a obra.
Me ocorreu que essa abordagem tornaria os desenhos pequenos para um pôster. O pior caso seria a tela de um serviço de streaming. Porém, na minha imaginação de um lugar ideal, a pequena narrativa com traço limpo atrairia os espectadores de uma sala de espera em um cinema de rua.
Para a tipografia do título do filme, comecei tentando imitar o alfabeto devanágari, mas a ficha caiu: seria desrespeitoso ou demonstração de ignorância. Uma versão das tipografias “Wonton”, usadas em tudo que é restaurante chinês ou japonês no mundo inteiro. Como alternativa, fui atrás de uma fundidora de tipos indiana e achei a Begum Sans, com suas terminações em cunha invertida.
E o filme? Lembra um pouco Nunca te vi, sempre te amei, já que boa parte da comunicação entre os personagens é feita por escrito. E, assim como Comer beber viver, não é para ser visto de barriga vazia.
Sobre o cartaz
Este exercício é parte de uma série a que me propus em 2024: imaginar um cartaz para cada filme que eu assistir. Este é o sexto.
- iPad e Apple Pencil
- App Procreate
- 3.350 × 4.960 px
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