No meio de reuniões e tarefas do trabalho, minha mulher me avisa sobre a morte de Gilberto Gerlach, escritor, pesquisador e fundador do Cineclube Nossa Senhora do Desterro, que funcionou por 25 anos no Centro Integrado de Cultura – CIC, em Florianópolis. Paro e começo a lembrar de muita coisa.
Costumava encontrá-lo nas sessões de cinema, mas conheci-o pouco. Um “boa noite”, um “tudo bem” e um sorriso breve, não muito mais. Não sei se me cumprimentava por me ver de vez em quando com meus pais – eles próprios frequentadores do cineclube por anos – ou porque que eu andava por lá toda semana.
Artefatos
Houve uma época em que me associei. Por um valor que equivalia à metade das entradas dos filmes agendados para o semestre, tinha-se entrada franca em qualquer sessão. Confesso que eu sentia um certo orgulho em passar pela porta dupla sem precisar entregar o bilhete.
Guardo até hoje os folhetos com a programação. Era um tabloide de quatro páginas em papel jornal com a ficha técnica dos filmes que seriam exibidos na temporada, acompanhados de uma pequena sinopse, algumas vezes opinativa. Depois foi reduzido para uma fotocópia em folha A4 que parecia ter sido datilografada e montada a mão. Quando havia festivais, o material ganhava impressão colorida e papel cuchê.
Salas para filmes fora do circuito comercial sempre foram exceção, aqui e em qualquer lugar. O cineclube começou em 1968 na UFSC, teve vários endereços até se instalar definitivamente no CIC em 1984, história que Gerlach conta no documentário Gerlach Cine Desterro. O cinema fecharia suas portas em 2009, na véspera de uma reforma que deixou todo o prédio fechado por anos e que praticamente o expulsou do lugar.
Gerlach também fez câmera e direção para o primeiro curta-metragem de ficção de Santa Catarina, Novêlo, de 1968. Seu relato está registrado neste episódio da série Histórias de Cinema, da Vinil Filmes.
Ele ainda construiria o Cine York em 1998 no centro histórico de São José, sua cidade natal. O espaço durou dez anos.
Recordações
Tenho uma lembrança distante de assistir a uma produção japonesa, talvez chamada O Calígrafo, quando o cineclube funcionava na Biblioteca Pública de Santa Catarina. Algumas cenas do protagonista espalhando a tinta preta ainda brilhante me vieram à memória décadas depois ao começar eu mesmo a praticar caligrafia.
No início dos anos 2000, assisti ao documentário O Rio de Jano, que acompanha as andanças do cartunista francês para desenhar as paisagens do Rio de Janeiro. Passados vinte anos, quem adquiriu o hábito de desenhar na rua foi eu.
Foi graças ao esforço de Gerlach que tive o privilégio de assistir em tela grande filmes como Metropolis, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, O Anjo Exterminador, Asas do Desejo, A Ostra e o Vento, Nós que nos amávamos tanto, O Grande Ditador… A lista é grande. Entre tantas obras-primas está um filminho mediano da década de 1990 chamado O Balconista para o qual convidei a mesma Carol Grilo que está comigo até hoje.
Deixe um comentário