Foto de dois cartões postais devolvidos pelo correio. O correio carimbou na face principal de um deles e colou o adesivo em outro informando o porquê da devolução

No Correio, espaço e tempo são relativos

No final do ano passado, enviei quase cem postais a conhecidos no Brasil e no exterior.

Os primeiros destinatários receberam a entrega na semana depois do réveillon, como eu esperava. Outros, na quinzena seguinte, o que ainda foi um prazo razoável. Eu estava bem ciente que ninguém mais manda cartas e que eu estava tentando resgatar uma tradição substituída pelos GIFs de WhatsApp.

Fui anotando quem me avisou do recebimento e, com o passar das semanas, vi uma certa falta de padrão na entrega – ou um padrão que não sei qual é. Cartões estavam levando o mesmo tempo para chegar em bairros de Florianópolis e em cidades a centenas e até milhares de quilômetros de distância.

Quando o assistente social Mauricio Alvarez me escreveu que o postal havia chegado em Santiago do Chile, em 21 de fevereiro – dois meses depois do envio – resolvi fazer a linha do tempo abaixo como curiosidade:

Infográfico de linha do tempo mostrando a chegada do postal em cada cidade (a partir da data da postagem em 21 de dezembro) e a distância a partir da casa do autor. Enquanto Lisboa e Portugal chegaram perto de 15 de janeiro, o de um vizinho demorou quase dois meses
Linha do tempo de chegada dos postais com a distância em linha reta da minha casa até o destinatário. A data no do Japão é uma estimativa no meio do caminho entre o envio e o dia em que recebi o cartão de resposta (4 de fevereiro)

Seriam as ruas de Florianópolis mais difíceis de percorrer que os oceanos? A fotógrafa Soninha Vill e o jornalista Gastão Cassel, que moram a duas ruas da minha, colocaram as mãos no cartão quase dois meses depois de eu postá-lo. Nesse tempo, a designer gráfica Hatsue Takada, no Japão, recebeu o dela, remeteu-me a resposta e o cartão ainda chegou na minha caixa postal dez dias antes. Enquanto ela devia estar abrindo sua caixa de correio, o arquiteto e artista visual Marcelo Schlee me mandou a foto do postal que chegou a seu apê em Lisboa.

Dentro do Brasil, foi igual. Carteiros de Brusque, Rio do Sul, Chapecó e Fortaleza entregaram o postal ao mesmo tempo em que seus colegas cobriam os bairros próximos de casa, como Pantanal e Itacorubi.

Três postais que o autor recebe: um tem uma fotocolagem de uma retroescavadeira junto co um silo e uma estátua antiga, outro um desenho de um coração sobre uma página de caderno de inventário, e o terceiro um desenho abstrato em rosa onde está escrito …I wish everyone has fine year”
Postais que recebi este ano

O cartão destinado aos gravuristas Clei Dirlean e Milton Cazelatto, moradores de Ponte de Maruim, na cidade vizinha de São José, voltou com um adesivo indicando o motivo da devolução: “Não procurado”. Mesmo destino deve o da UX designer Patricia Pinter, que vive em Montanha do Riacho (MG).

Rumo à precarização

Muita gente reclama dos correios, mas eu tomo cuidado para não desvalorizar um serviço público à toa. Parte da pressão política para a privatização da estatal vem das grandes empresas de logística que hoje dominam o comércio eletrônico (que, aliás, andam aumentando seus preços). Mas que o serviço anda pior, anda.

Minha experiência postal anterior foi o despacho de uma centena de exemplares do meu livro 60 dias dentro de casa – Um diário ilustrado do isolamento, que editei em 2020. Todos foram entregues dentro do prazo razoável de duas semanas. Nesses cinco anos, algo mudou.

A lista de causas é conhecida e não é de hoje: redução de investimentos (mais conhecida como sucateamento), má gestão, precarização das condições de trabalho, fechamento de agências, indicações políticas para cargos técnicos, etc.

Para mim, a discussão tem a ver com o tipo de sociedade que queremos. Uma com trabalhadores que ganham salário, têm plano de saúde e aposentadoria, ou outra com mão de obra precarizada, que é o que mostra o ótimo filme Você não estava aqui, de Ken Loach?

Resolvo no meu bairro boa parte das compras do dia a dia e não faço questão que as poucas coisas que peço pela internet cheguem no dia seguinte. Posso esperar uma semana tranquilamente e sei que existe um custo social embutido no frete de um dia ou na entrega grátis.

Mas ano que vem estou cogitando eu mesmo colocar o cartão nas caixas postais dos vizinhos – de graça e à pé. Quem sabe não me convidam para um cafezinho?

Comentários

4 respostas para “No Correio, espaço e tempo são relativos”

  1. Ótima reflexão, Ivan! Adorei a ideia da linha do tempo comparando as distâncias e as datas das entregas.

    Há um tempo entrei em um grupo que troca cartões postais feitos em aquarela, e tive a sensação de morar no triangulo das bermudas, por não ter recebido o meu (que foi postado antes) do que o cartão que enviei.

    Mas sigo no aguardo e considerando a mesma ideia dos cartões pela vizinhança.

    1. Algo está acontecendo com a entrega dos correios que não é mais a mesma. Será que eles desaprenderam a entregar cartas de papel?

      Esse grupo de troca de cartões parece legal. Lembra um pouco o movimento de mail art que, se fosse hoje, teria parte dos envios fracassados.

  2. Marcia Pacheco

    Excelente texto. Um sentimento de frustração…participo de um grupo de cartão postal em aquarela, e na 3a e 4a edição , meus cartões tiveram demora extrema e alguns devolução ( sendo ilegível a justificativa do correio para a devolução ) e na edição recente ,novamente meu cartão não chegou ao destinatário .Ainda não sei qual a justificativa dos correios , pois recebi o cartão enviado a mim, mas o que enviei não chegou…☹️.

    1. Obrigado, Marcia. Esse é o segundo comentário sobre o correio ter extraviado cartões postais em aquarela, o que é uma pena. Afinal, são originais, insubstituíveis. Os meus, ao menos, foram impressos em gráfica.

      Espero que sua arte não tenha sido sobreposta por uma etiqueta ou um carimbo por causa da devolução, como aconteceu com os meus.

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