Quinta-feira da semana passada foi o lançamento em Florianópolis do livro Sándor Lénárd no fim do mundo, do historiador e escritor Fernando Boppré, na Fundação Cultural Badesc.
A publicação é da Editora Humana, de Chapecó (SC) e faz parte da coleção Biografemas, que aborda a vida de artistas que produziram no Estado. “Biografemar“, segundo os editores, “é caminhar na direção do outro, sabendo que não há como seguir pegadas de uma vida sem deixar suas próprias marcas“.
Aqui, o biografemado é Sándor Lénárd, escritor, médico, farmacêutico e músico, entre outras ocupações. Húngaro e judeu, fugiu da Segunda Guerra para a Itália e depois para o Brasil, passando por Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo. Por último, se instalou em Dona Emma, um pequeno município catarinense a 250 quilômetros da capital.
Lá, começou a escrever sobre a cidade e o cotidiano dos moradores, muitas vezes com um tom satírico. Os escritos foram reunidos no livro O Vale do Fim do Mundo e são um raro relato da vida em uma comunidade rural catarinense na segunda metade do século 20. É a única obra de Lénárd traduzida no Brasil (pela Cosac & Naify, em 2013, já esgotada. Se você tiver uma edição, eu compro).
Embora demonstrasse apreço por Dona Emma, esse sentimento não era irrestrito, como se pode constatar na leitura de O vale do fim do mundo. Por um lado, Lénárd não se cansava de observar o desenho dos morros no horizonte, a diversidade da mata subtropical, o clima ameno e propício para se colher em grande quantidade. Por outro, não fechava os olhos para os maus-tratos costumeiros de doentes junto às famílias, a prática recorrente da apropriação do bem público, a segregação e violência dispensada aos indígenas, a insistência da população em reviver valores europeus, dentre eles o nazismo.
Fernando Boppré
Há uma edição online de The Valley of the Latin Bear, em inglês, que traz escritos do mesmo período. O título faz referência a uma tradução de Lénárd do livro Ursinho Pooh para o latim, que fez um inusitado sucesso, chegando a entrar na lista de best-sellers do New York Times.
The Valley of the Latin Bear é ilustrado pelo próprio autor. São desenhos a bico de pena das casas, fazendas e relevos da região. Em nenhum deles aparece a presença humana. Levando em conta o fato dele ter mantido pouco contato com os moradores e de ter escolhido a cidade pelo isolamento e distância de governos – atitudes compreensíveis para quem teve de fugir da perseguição nazista – é possível que tivesse pouco interesse em estabelecer vínculos sociais.
E onde fica Dona Emma? Foi para explicar isso que, a convite de Boppré, desenhei um mapa indicando a localidade, com as principais cidades e os rios como referência. A ilustração aparece na página 32.
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