Desenho a traço de vendedor ambulante de abacaxi apoiado sobre a roda do carrinho

Boa Viagem oferece caldinho, abacaxi e tubarões

Último dia em Recife e o céu continua azul e sem nuvens desde que chegamos há dez dias. O vento disfarça o sol forte que faz parecer ser dez da manhã, apesar do relógio marcar oito e meia. Explica-se: Recife fica 1,5 mil quilômetros a leste de Florianópolis. Amanhece pelo menos uma hora mais cedo e anoitece antes das seis da tarde.

A praia de Boa Viagem, cenário e tema da música La belle de jour de Alceu Valença e dos filmes O som ao redor e Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, está tranquila nesta terça-feira de manhã. Mães com crianças e babás, famílias de turistas, homens e mulheres correndo na areia, além de um ou outro aposentado boa-vida tomando cerveja logo cedo. Vendedores de caldinho de siri ou camarão fornecem o acompanhamento.

A praia em frente a um paredão de edifícios residenciais lembra um pouco Copacabana, no Rio. Ou a Beira-Mar, de Florianópolis, se na capital catarinense a água fosse limpa e os gestores houvessem planejado um pouco de areia quando aterraram a orla.

“Risco de afogamento”, dizem as bandeiras vermelhas cinquenta metros à esquerda, onde uma dúzia de banhistas está dentro da água até a altura do ombro. Bem em frente das nossas cadeiras, as pessoas no máximo molham as canelas. Elas sabem o que dois guarda-vidas confirmariam depois ao hastearem uma bandeira roxa com o pictograma de um tubarão e de uma água-viva.

Na areia, o vendedor de abacaxi estaciona seu carrinho e fica parado por cinco minutos à espera de fregueses. É um senhor um tanto gordo, na casa dos setenta anos, de boné preto, camisa azul clara e bermuda azul cobalto.

Uma rajada de vento traz o perfume doce de seus abacaxis a dez metros de distância. Mas bastaria olhar a casca cor de laranja para saber que estão bem maduros. Os que eu compro na feira do meu bairro são sempre verde-escuros. Só sinto o cheiro se encostar o nariz e demoram uma semana até amadurecerem.

O vendedor empurra o carrinho e estaciona de novo, vinte metros adiante. Nesse ritmo, logo vou perdê-lo de vista, assim como não vi desaparecerem as nuvens cinzentas vindas do oeste.


Sobre o desenho

  • Caneta tinteiro Jinhao x750
  • Tinta Koh-I-Noor Document Ink preta
  • Caderno Canson Art Book One A5, 100 g/m²

Comentários

6 respostas para “Boa Viagem oferece caldinho, abacaxi e tubarões”

  1. Mary Lou Rebelo

    Que delícia de relato!
    Morei em Recife quando tinha 4 anos. Anos 1950, século passado. Nossa casa era em Boa Viagem. Diferente de sua descrição, claro! Ainda me lembrodi cheiro. O mar tinha muitas algas.
    Tinha um vendedor de rolete de cana. Adorava! // ML

    1. Mas por qual lugar desse mundo você não passou? As algas ainda estão lá, mas talvez tenham rareado. Os ambulantes vendem muita comida, mas não vi ninguém vendendo cana. Imagino que já tenhas assistido a “Som ao Redor” e “Aquarius”, que depois de conhecer a praia e o bairro, achei que retratam bem o lugar.

  2. Fabricio C. Boppré

    Aqui em Florianópolis o tempo está igualzinho, só que ao contrário. Na verdade, o sol apareceu hoje (quinta-feira) e talvez fique aqui até o fim de semana, para recepcioná-los de volta. Porém, na semana que vem…

    1. Já estamos de volta! Postei esse desenho no dia do retorno. De certa forma, é até um alivio não estar tão quente. Só espero que as chuvas torrenciais não voltem.

  3. Ronald Juliet

    J’aime découvrir le Brésil à travers tes dessins et tes textes… bravo, collègue urban sketcher!
    Dommage que tu n’aie pas de bouton like.

    Grand bonjour de Suisse romande

    1. Merci pour ton message, Ronald!

      Felicitation pour tes dessins. J’ai les decouverts dans les app de WordPress e j’ai déjà suis ton blog.

      A vers du bouton like, je vais chercher pourquoi il n’est pas présent.

      Un grand bonsoir du sur de Brésil 🙂

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