Pintura de uma máquina de escrever vermelha em cima de um peequeno criado mudo. Na assinatura, lê-se “Ivan Jerônimo set. 99”

Trinta anos de um texto que sumiu

Uma estudante do curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina me pergunta por mensagem se ela pode reproduzir o desenho que fiz da antiga rodoviária de Florianópolis. Seria para ilustrar um artigo sobre imbróglio do imóvel que deve ser publicado no jornal-laboratório do curso, o Zero.

Estudei na mesma faculdade, mas o pedido não me fez relembrar como se fosse ontem da época de estudante porque realmente não parece que foi ontem. Foi há trinta anos. Nos semestres iniciais, eu escrevia os textos em máquinas de escrever e o Zero seguiu sendo impresso em papel muito tempo depois de eu me formar.

As máquinas no departamento eram Remingtons de ferro e aço. Se as teclas estivessem duras ou o carrinho travado, o jeito era sentar-se em outro lugar ou carregar dez quilos de metal de uma carteira a outra. Em casa, era mais fácil: datilografava em uma simpática Olivetti Valentine, de plástico vermelho-vivo, que hoje está na sala do apartamento cumprindo a mesma função de outros exemplares no MoMA (Nova York) e no Victoria and Albert Museum (Londres) – como item de exposição.

Desenho colorido de uma máquina de escrever vermelha com a data de 06/12/20
Não fosse pelas teclas, até seria um desenho fácil

Em menos de um ano, entraríamos na era da informática. O PC de casa chegou na mesma época em que o curso de jornalismo equipou um laboratório com computadores novos.

Minha primeira contribuição ao Zero foi para uma edição especial sobre histórias em quadrinhos. Com a nova exigência de entregar o artigo em disquete e agilizar a diagramação, abri o Microsoft Word pela segunda vez na vida.

Matéria pronta, fechei o programa e fui copiá-lo para o disquete. Quem disse que eu achava o arquivo? Devo ter escrito sem salvá-lo ou salvei sem saber onde, um problema bem comum de falta de entendimento da hierarquia de arquivos.

Já ajudei pessoas de setenta anos a usar um computador e apliquei testes de usabilidade em escolas. Por isso, afirmo: o conceito de arquivos e pastas não é tão intuitivo como parece. Tirando o fato de que ninguém guarda uma pasta dentro de outra pasta no mundo real, a interface virou um padrão por si, perdendo a relação com a metáfora de origem.

Demorou quase duas décadas para essas dificuldades sumirem. Senão dos PCs, ao menos dos aplicativos na internet, celulares e tablets, que salvam seu trabalho automaticamente e permitem encontrá-los por uma busca. Organizar arquivos e memorizar sua localização em uma árvore hierárquica se tornou atividade anacrônica.

E quanto ao arquivo com a matéria, um brinde a ele, desaparecido trinta anos atrás dentro do gabinete de um computador que há muito tempo virou sucata.

Acabei tendo de reescrever a matéria. Por sorte, a partir de uma primeira versão em folhas datilografadas na Olivetti (que não virou nem vai virar sucata).


Sobre o desenho e a pintura

Máquina de escrever Olivetti Valentine (pintura nº 3)
Acrílico sobre tela
42 × 60 cm
Setembro de 1999

Máquina de escrever Olivetti Valentine
Caneta ponta fina e hidrocor
13 × 10 cm
6 de dezembro de 2020

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